24 de outubro de 2014

NERUDA: “QUEM MORRE”?

Valério Mesquita*

Recebi da advogada conterrânea Euda Fernandes, com escritório no Rio de Janeiro, um belo texto de Pablo Neruda que me fez refletir, mais do que já faço, sobre a vida. Disse o grande poeta chileno que “morre lentamente quem não viaja, quem não lê, quem não ouve música ou quem não encontra graça em si mesmo”.  E prossegue: “morre lentamente quem evita uma paixão, quem não se permite pelo menos uma vez na vida fugir dos conselhos sensatos ou quem se transforma em escravo do hábito, repetindo todos os dias os mesmos trajetos”. Neruda é sábio no aconselhamento. São famosas e universais  as suas cartas e as perguntas que um dia, aqui na província, outro poeta, Diógenes da Cunha Lima, ousou responder em livro com cem respostas às cem indagações do mestre de “Canto Geral” e “Odes Elementares”.

Poeta do social e revolucionário, Neruda sempre instigou quem o lê a interpretá-lo ou recriar as suas vibrações líricas e reflexões existenciais, sem jamais perder a atualidade sentimental de um mundo que se renova e se transforma. Daí poder dizer com o poeta, sem qualquer despautério à sua criação intelectual, que também morre lentamente quem deixa a vida pra depois ou ingressa em holocausto na carbonária política partidária do Rio Grande do Norte; morre lentamente quem acreditar que existe uma proposta cultural em favor do escritor ou artista potiguar; morre lentamente quem somente vive do salário mínimo ou depende do SUS ou da rede pública hospitalar para sobreviver; morre lentamente quem é correntista da rede bancária brasileira, submetido aos cartões de crédito e traumas das taxas e juros extorsivos dos empréstimos; morre lentamente quem adotou como profissão a atividade de produtor rural nesse país, sem crédito, sem segurança e sem nenhum incentivo oficial além das ameaças constantes do MST; morre lentamente quem se julga beneficiado pela enganosa qualidade do ensino universitário hoje praticada no Brasil; morre lentamente quem for na onda da eficiência da segurança pública, caso já não tenha sido ceifado de vez; morre lentamente quem for pensar que o Brasil não é um país de maiorias corruptas, praticante da lei da vantagem; morre lentamente quem crê na recuperação da moral do Congresso Nacional; morre lentamente quem apostar na conclusão do aeroporto de São Gonçalo do Amarante e na transposição das águas do Rio São Francisco; morre lentamente quem rezar na cartilha do uso honesto dos recursos do novo estádio de futebol para a copa do mundo de 2014, no Rio Grande do Norte; e, por fim, com o perdão do poeta Pablo Neruda, morrem lentamente, as candidaturas dos que fizeram muito barulho para nada, dos que sonharam ou se iludiram com a mais difícil e cada vez mais enganosa atividade pública: a política. Com a sua permissão poeta, eu concluo à romana: saúdo aqueles que vão despencar dia três, quando outubro chegar.

(*) Escritor.


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