8 de agosto de 2014

O CIRCO ESTÁ AQUI

Texto de João Gualberto


Os animadores do Circo da Cultura, o veículo da Fundação Cultural do Rio Grande do Norte que está para ser armado na Praça Augusto Leite, bem que poderiam realizar um pequeno estágio com os domadores do Circo Garcia, desde ontem já armado na Rua Maxaranguape, esquina com a Prudente de Morais. Talvez eles, os malabaristas do Circo da Cultura não aprendessem muita coisa. Mas uma coisa é certa: para se fazer um Circo é preciso muita dedicação, muita cuca fresca, paz e amor. O resultado é que, no Circo Garcia, a garotada é quem faz o espetáculo, antes mesmo da estreia, hoje, no grandioso picadeiro instalado no Tirol.




O Circo da Cultura, criado pelo escritor Sanderson Negreiros, ainda não é uma atração para a gurizada.
Não tem, como no Circo Garcia, os curiosos tucanos de bico-da-cor-de- arco-íris, nem as araras multicoloridas, nem o cão negro e majestoso que late um latido rouco entre as grades de uma jaula, nem os leõezinhos dorminhocos que não acordam com as brincadeiras das crianças em festa com a novidade.
Tem, é claro, malabaristas, trapezistas, feras ainda não domesticadas, palhaços, bailarinos, domadores de poesia, atores de todas as classes, mas não chega aos pés das estacas que o Circo Garcia plantou no Tirol.
A realidade é que o circo chegou. O Circo Garcia, não o Circo da Cultura. A partir de hoje, o Circo Garcia abre uma série de espetáculos para o público de Natal, com pipocas para as crianças, milho verde para os adultos, tudo isso nas imediações circenses.
Dentro, debaixo da imensa lona psicodélica do Circo Garcia, é que os adultos vão ter a oportunidade de saber se já estão noutra ou se continuam as eternas crianças de sempre.
Sobre o espetáculo, como ele ainda não começou, nem é bom falar. Cada espectador é que, depois de comprar ingressos e ficar acomodado, vai julgar o que viu.
Nesses últimos três dias, o que se viu na Rua Maxaranguape foi assim uma espécie de ensaio do que podem fazer as crianças como espectadoras deste futuro.
Em grupo, mas sem tanta algazarra, as crianças botavam os dedos e os medos entre as grades dos três filhotes de leões que dormiam indiferentes. Os operários, para não fugir ao destino, trabalhavam noite e dia para armar a gigantesca lona do Circo Garcia. Os artistas, que são como os operários, pois não deixam de estar trabalhando um minuto descansavam de mais uma viagem.
E a Rua Maxarangaupe, no trecho entre a Prudente de Morais e a Mermoz, estava iluminada como nunca esteve. Era uma festa, antes mesmo do Circo Garcia anunciar o espetáculo que vai ter início hoje.


Antigamente, quando os circos chegavam às cidades, os poetas eram mais livres e corriam a dar pão aos elefantes. Hoje os poetas ainda não descobriram a importância de uma “Jaula Aberta”, título do próximo livro de versos de Dailor Varela.
A própria poesia, latente nos circo e em qualquer festa, está encoberta pelo cotidiano, se bem que uma ponta de surpresa possa ser descerrada a qualquer instante. Hoje, por exemplo, quando o Circo Garcia transformará os sonhos em realidade de picadeiro.
Se existe um remédio para combater a tristeza ou a desilusão, este remédio não será encontrado em farmácias ou em supermercados.
O remédio é o Circo. Nesse caso, tano faz: Circo da Cultura ou Circo Garcia.
Como o Circo da Cultura ainda vai ser armado, a solução imediata é pagar para ver o Circo Garcia. Por sinal, um circo que tem seus méritos culturais, na brilhante estrela que é o benemérito Antolim Garcia, brindado pelo Ministério da Educação e Cultura com uma placa solene em que se faz justiça ao seu trabalho de levar divertimento (cultura é divertimento) a todo o povo brasileiro.
Entre o Circo da Cultura e o Circo Garcia, portanto, há pelo menos uma diferença de anos e anos de realizações. A placa do veterano Antolim Garcia, por exemplo, é uma homenagem aos primeiros 50 anos de atividades artísticas.
Pode ser vista logo na entrada do circo. Já no Circo da Cultura existe também uma placa, oferecida ao ex-governador Cortez Pereira, em cujo período de governo inaugurou-se o picadeiro cultural. É diferente, bem diferente.
De qualquer forma, hoje em dia, tudo é cultura.
Até mesmo o ato de comprar ingresso para um espetáculo pode ser considerado um “ato cultural”.
O atual responsável pelo Circo da Cultura, o poeta Deífilo Gurgel, um verdadeiro domador de métricas e ritmos do Parnaso, vai gostar de ver o Circo Garcia armado ali, em plena rua, cercado pelas crianças das manhãs.
E, hoje, com o início dos espetáculos, certamente ele terá uma boa oportunidade para fazer uma projeção de como seria o Circo da Cultura se fosse um circo convencional. Não é: é um circo, só.
O fato é que, hoje o Circo Garcia abre as jaulas dos sonhos. Como sempre, as crianças terão prioridade – um diante dos artistas.
E os mais velhos encontrarão um belo motivo para recordar os tempos de anteontem, quando os palhaços eram mais alegres, os equilibristas se equilibravam com maior perfeição, os malabaristas eram os melhores do mundo e os animais falavam com os animais selvagens que moram no coração dos domadores.
Quer dizer, é tempo de circo em Natal. Deífilo Gurgel, que já estava ligado no Circo da Cultura, antes de Antolim Garcia armar os seus divertimentos na Rua Maxaranguape, agora tem uma frase para definir não somente o momento cultural da cidade, mas o próprio espírito da coisa: “Natal era a cidade das Academias.
Hoje pode ser considerada a cidade dos circos”.



Transcrito do “Caderno de Variedades” (jornal A República – 01/07/1979).








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