16 de maio de 2014

Cantilena Do beco da quarentena

Sua cor de tez morena
Com cabelo cacheado
O corpo era um violão
Como sendo torneado
Tinha o rosto de criança
Parecia um mimo achado.

Sem nenhuma experiência
Embrenhou-se na desgraça
Juntamente com as colegas
Que eram moças de outra praça
Tomando a sua maconha
Com tangerina e cachaça.

Às vezes,ela, ia no banho
Lá no rio Potengi
Em noites de lua clara
Muitas horas eu assisti
Seu corpo boiando nágua
Como se fosse a Jácí.

Aindanas calças curtas
Residindo na Ribeira
As mulheres davam sopa
Vivendo numa bebedeira
Minha vida tinha inicio
No antro da buraqueira.
Naquele beco, de lama
Constantemente vivia
Entrando de porta adentro
Como sua moradia
E a pobre da inquilina
Desamparada morria.

Sem ter pra quem apelar
A miséria ali reinava
Jamais a saúde pública
Naquele beco passava
Por isso é que uma criança
Perdida no mundo estava.



Muitas doenças do mundo
Empestavam a mocidade
E essa chaga malditosa
Contaminava a cidade
Pois conhece muita gente
Morrendo na flor da idade.

A policia era constante
Dava ronda a noite inteira
Mas nunca evitou as brigas
Vivendo de tal maneira
Que muitas mortes ali houve
Por causa de bebedeira.

No outro dia, os jornais.
Lamentavam, tinham pena.
Dando notas alarmantes
A coluna era pequena
Pra contar as suas brigas
No beco da quarentena.


O crime mais hediondo
De que tive conhecimento
Foi feito por um tarado
Por nome de nascimento
Matou a Maria Rosa
Ex-esposa de um detento.

Nascimento era embarcado
Do navio D. Vital
E passando o ano inteiro
Afastado de natal
Por isso matou a Rosa
Através do seu punhal.

Naquele beco infeliz
Conheceu a tal mulata
Conquistando o seu amor
Dando-lhe joias de prata
Assim, a Maria Rosa.
Das mulheres, era a nata...




Também conheci a Rosa
E com ela tive amor...
Era mulher corpo de esplendor
Seu riso, seu olhar triste.
Tinha a ternura da flor.

Cantava samba e modinha
Ao som do meu violão
Recitava alguns poemas
Com a maior exaltação
Parecia a voz dos pássaros
Nas manhãs do meu sertão.

Praieira dos meus amores
Rosa cantava sorrindo
Ninguém melhor do que ela
Interpretava sentindo
O que otoniel contou
Naquele poema tão lindo.

Outras modas potiguares
Rosinha cantarolava
Abre a janela...  Do Ivo
Feita a mulher que ele amava
E Olimpio Batista Filho
Horas depois, musicava.

As mulheres mais formosas
Daquele beco infernal
Tinham os nomes mais lindos
Que conheci em natal;
Rosa, Judith, Jurema.
Jaqueline, e Marial.

Iracema e Jacira
Julimar, Inês, Bonina.
Iraci, Branca e Maria.
Isabel, Mara e Alvina
Inês, Pureza, cecí
Alice, Marte, Vanina.


Foram mulheres da vida
Eu de todas tinha pena
Pela fome que passavam
Como um bando de falena
Vivendo desabrigadas
No beco da quarentena.

Infeliz de uma mulher
Que morar naquela rua
Nunca mais terá sossego
Com a vida que ali flutua
Pois pra ganhar o seu pão
Tem que ficar toda nua.

Vendendo por mixaria
O que lhe deu o criador
Beijos, abraços, afetos.
Felicidade e pudor
E seu famoso corpinho
Oi coração, e o amor.

Quarentena! És um inferno
Que os bichos-homens criaram
No reinado da miséria
Suas vidas estragaram
Infelizes dos mortais
Que naquele beco andaram.

Quantas vidas preciosas
No beco da perdição
Tiveram sua má sorte
Pois não indo pra prisão
Findavam no cemitério
Sem ter uma extrema-unção.

Faca, peixeira, quicé.
Canivete e ate porrete
Eram armas que se usavam
Quando havia tirinete
E a soldadada fugia
Pra se livrar do cacete.




Meu amigo Zé Vicente
Que morava em Caicó
Foi um menino educado
Pela sua bisavó
Logo cedo foi ao beco
Saindo da lá, cotó.

Numa briga de malandros
Defendendo o Pedro Tasso
Duma bruta covardia
Levou um forte balaço
Indo ficar no hospital
Perdendo afinal, um braço.

Pederastas, cafétinos
Maconheiros afamados
Frequentavam o tal beco
Sendo bastante estimados
Avistando com seus homens
Com os quais eram amigados.


Hoje sou velho e doente
Residindo no Alecrim
Viajei todo o Brasil
Conheci o bom e o ruim, mas igual aquele beco.
Só praga de mucuim.

E salvei-me porque deus
O senhor da humanidade
Atendeu as minhas preces
Teve de mim, piedade.
Dando luz e suas bênçãos
Ainda na flor da idade.
________o0o_______

Me despeço dos amigos
Motivado de emoções
No beco da quarentena
Tem mulheres e violões
Muita cachaça e maconha
Pederastas e ladrões!



A célebre rua estreita e curta, na sua longa existência tem aparecido através de musica, teatro, prosa, quadra e poemas modernos, mas, nunca em versaria completa, historiando sua vida passional, como agora o fazemos, dando-lhe o titulo de CANTILENA DO BECO DA QUARENTENA. O metre Castilho, em sua época, condenou as Sextilhas, mas os cantadores de viola, principalmente Nordestinos, escreveram seus poemas no estilo tradicional, também conhecido por versos-de-seis pés.

A Sextilha-setissilábica em varias formas de rimas, mas, adotamos, como o maiorla dos cantadores-matutos, na formula mais popularizada ABCBDB, muito usada a começar do século XVI.  Mesmo os poetas eruditos, versejaram neste estilo e eram aplaudidos porque o canto logo cedo seria decorado pelo emparelhamento das rimas visivelmente aparecendo quase juntas.

Sobre o termo CANTILENA, que tanto pode ser uma cantiga suave, como também ema narraçãofastidiosa, impertinente e enfadonha, resolvemos situá-la fora da canção que, na musicologia aparece insignificante, inexpressiva , atoa, e J.J., Rousseau chegou a dizer que não era aconselhável seu nome aparecer nos dictorios musicais. Contudo, o dicionarista português Ernesto Vieira afirmou “hoje emprega-se o termo num sentido desprezível para designar uma melodia trivial e monótona”. E num dos versos de Camões OS LUSIADAS encontramos: “as doces Cantilenas que cantavam os zemicapros deuses”.

No nosso livro ADAGIARIO MUSIOCAL BRASILEIRO; editado por saraiva S. A. S. Paulo, pg. 41 sobre o termo, escrevemos: “Acaba com essa cantilena que é uma canção suave, cantiga simples”. No sentido em que se emprega o adagio, quer dizer, entretanto, que se deve acabar com a maneira usada para dizer iludir, com a astúcia.Acabe com cantilena isto é, deixe de querer tapear, iludir, enganar”.

Estando, portanto, cantilena em vários dicionários de musicas, chegamos a conclusão que o vocábulo de tão simples formação, representa um insignificado aspecto na fonologia de um povo. E de sua inexpressividade, apelidamos a versaria contida neste trabalho.

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A promiscuidade dos sexos, o oficialismo da prostituição, a desmoralização da sociedade com seus costumes educativos, a perversão desenfreada, edificaram-se em Natal no inicio do século XVII e talvez atravesse outros tempos que vierem pela frente, porque continua cada vez mais alargado o caminho espaçoso, tenso e amplo da miséria humana, vivida no centenário “Beco da Quarentena”.

Há muitos anos virmos realizando uma pesquisa em torno de logradouros natalenses, mas, o “beco da quarentena” foi o que mais impressionou ao estudioso dos costumes e tradições norte-rio-grandenses, porque em nossa meninice fomos assíduos frequentadores daquele antro de vícios, juntamente com outros colegas que já se foram do nosso convívio. Consequentemente, jamais no bairro da ribeira uma rua ilustrou tanto as paginas de jornais, com assiduidade e constância, a boemia, a vagabundagem, a imoralidade e a falta de decoro na ocisiosidade daquele ambiente de degenerescência moral.

Anos passados, nunca das aulas que dermos no “curso João Caetano”, promoção de “teatro de Amadores de Natal”, a convite de teatrólogo Sandoval Wanderley, no prédio do “instituto Histórico e geográfico do Rio g. do Norte, abordamos o tema da poesia popular, ocasião em que lermos o trabalho agora transformado numa plaquete, a nosso ver, sem nenhum fator literário”. Oferecendo em seguida a versaria, eis que Sandoval Wanderley transformou o assunto numa peça de sua autoria.

No decorrer do tempo, outros poetas e escritores escreveram trabalhos literários enriquecendo a cultura norte-rio-grandense, envolvendo fatos existidos no famigerado logradouro que ainda hoje vive seus dias amargurados porque ainda e notória e ate de “utilidade piblica” sua vivencia repleta de mulheres ”perdidas”, alcoólicos inveterados e toxicômanos encontrando nos entorpecentes as sensações anômalas de uma geração cheia de complexos sociais.

A historia contada pelo meu amigo que pediu segredo e verdadeira. Ouvimo-la e a levamos para a versaria já conhecida por alguns intelectuais de nossa terra, pois há precisamente cinco anos fizermos publicação em a tribuna do norte 22-7-73 de uma parte da narração e, em seguida, um grupo de oficiais da policia militar do estado tirou vários exemplares em xeros.

Cumercindo . saraiva.
Natal, março de 1979.





















Vou narrar a triste historia
Que um amigo me contou
Pedindo ocultar seu nome
Que o poeta concordou.
Entre soluços e prantos
Ele, assim, desabafou:

“a criança e tal como a ave”
Que voando na amplidão
Não conhece o bom caminho
Segue em qualquer direção
Por isso, às vezes baqueia.
Recebendo após perdão.

Atira pedra, faz arte.
E também não obedece
Os conselhos de seus pais
Sempre, sempre ela padece.
Porque o mundo e quem ensina
E quando adulto, agradece.

Meu velho avo me dizia
Que este mundo era uma escola:
Aprendia quem apanhava
Cem pancadas na cachola
Vivi rolando na infância
Como se fosse uma bola...

Nascendo na ver-baixa
Vim pra Natal logo cedo.
A criança destemida
Enfrenta a vida sem medo
Mas precisou muitos anos
Pra contar este segredo.

De fato, de minha terra.
Sai feliz, satisfeito.
Encontrando esta Natal
Sem maldade4 e sem defeito
Pois ela tinha o sabor
De alfinin, raiva e confeito.




Que as crianças saboreiam
Como faz o beija-flor
Sugando todo o aroma
No complexo do amor
Não e que os pássaros beijam
As flores com muito ardor?

Em Natal fui avisado
Pra não fazer tal asneira:
Cuidado com certo beco
Incravado na Ribeira
Onde vive a perdição
Em forma de escarredeira....

Mas não tomei os conselhos
Que me davam todo o dia
Ate que desnorteado
Naquele Beco caia
E agora conto pra todos
Fruto de uma rebeldia:

No ”Beco da Quarentena”
Conheci a perdição
No meu tempo de criança
Sem ter da vida noção
Convivendo com a mulher
Que enlutou meu coração.

De lá sai arruinado
Me lembrando da besteira
O amor era ali feito
Em cima de uma esteira
Sob a luz da lamparina
Que era acesa a noite inteira.

Minha amante e mais nova
Inquilina da pensão
Chegada ainda menina
Vinha do alto sertão
Trazendo um velho vestido
Uma calça e um sutião.





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