Nos últimos anos, o debate público
brasileiro está submetido à comparação do "Brasil do passado" versus
o "Brasil do presente". Olhando pelo retrovisor, o país de fato
caminhou a passos largos. Há 60 anos, o que é muito pouco em termos históricos,
o Brasil era um país eminentemente agrícola, com baixíssimos índices de acesso
à educação e à cultura.
Chegando mais perto, por volta da década de 1980, os períodos de super e hiperinflação, somados às crises de empregabilidade, prejudicaram e sobretaxaram os mais pobres, intensificando ainda mais as gritantes desigualdades socioeconômicas e civis brasileiras. Diante do passado próximo, não há dúvida de que o Brasil mudou... e mudou para melhor.
Por característica de formação (em Ciência Política), ainda que reconheça o mérito dos governos como atores políticos determinantes, considero que o motor dos avanços nacionais é o aparato institucional estabelecido e desencadeado pela Constituição Federal de 1988, fruto de um dos mais interessantes capítulos de negociação da história brasileira. Mais que qualquer outro fator, foram o processo político de construção da Carta Magna e seu próprio conteúdo os elementos determinantes para demarcação das regras e objetivos do jogo democrático no Brasil, dando a régua e o compasso a todos os agentes públicos (sociedade civil, partidos, Estado).
No entanto, o país convive com uma
contradição fundamental: o flagrante descumprimento dos ditames
constitucionais. Restringindo a análise às políticas educacionais, o Brasil
ainda não foi capaz de consagrar qualquer um dos princípios sob os quais deve
ser universalizado o direito à educação. Para citar apenas alguns, não
garantimos a igualdade de condições para o acesso e permanência na escola, a
valorização dos profissionais da educação ainda é uma quimera distante e a
gestão democrática parece ser algo irrealizável. Consequentemente, estamos
muito distantes de consagrar um padrão (mínimo) de qualidade educacional.
Embora a alfabetização, que por determinação constitucional, devesse ter sido universalizada em 1998, ainda hoje, mais de dez anos depois, não foi garantido o direito elementar à educação a cerca de 14 milhões de brasileiros analfabetos. Igualmente grave quanto é o fato de que os estudantes brasileiros aprendem pouco, sejam eles alunos de escolas públicas ou privadas.
E, se
mesmo na educação, o olhar pelo retrovisor também nos anima diante de um
passado extremamente desolador, o olhar sincero e cuidadoso para a situação
presente de nossas escolas públicas é gravemente desanimador. Diante desse
dilema, o debate educacional brasileiro não pode se restringir à comparação do
"Brasil do passado" com o "Brasil do presente". Esse
exercício comparativo não é capaz de fazer avançar a consagração de um direito
humano há anos desrespeitado no país. Com efeito, ele não é suficiente para
engendrar um futuro melhor.
Diferentemente, é preciso
analisar quais são nossas necessidades em termos de direitos educacionais e
quais são nossas possibilidades (orçamentárias, institucionais, políticas).
Apenas sob esse prisma é que se pode buscar meios de melhorar o ritmo (lento!)
de melhoria dos indicadores educacionais brasileiros, ainda tão vergonhosos.
No final de dezembro, a revista britânica "The Economist" publicou uma matéria sobre a situação da educação no Brasil. Embora com alguns erros, o texto analisa o estudo sobre os indicadores educacionais brasileiros empreendido pela OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico da Organização das Nações Unidas). Para os britânicos, saímos de uma situação "desastrosa" para "muito ruim" e teremos muita dificuldade para alcançar uma situação mediana.
(Daniel
Cara- Mestre em
Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP), é coordenador geral da
Campanha Nacional pelo Direito à Educação)
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