“Não te esquecerei, Natal!
A Ribeira subindo em direção à Cidade,
Os teus primeiros bairros Rocas e Alecrim,
O Grande Ponto dos dias de hoje,
Convergência de todos os encontros
E foco de todos os boatos.
Os bairros novos:
Tirol, Petrópolis, Quintas, Conceição,
Lagoa Seca, Juruá, Guarita, Carrasco,
(Que aqui em Montevideo, onde estou exilado,
É nome de uma praia chic),
E como estava falando em praia,
Vem a saudade de Ponta Negra e Redinha,
Areia Preta, do Meio e Circular”
(Djalma Maranhão)
Em sua evocação à Natal, o prefeito dos folguedos populares,
Djalma Maranhão expressou toda a saudade, vivida na distante
Montevidéu. Exilado, banido de sua querida Natal. Na cidade
Uruguaia, Djalma Maranhão e sua esposa Dária, vivenciaram a dor
daqueles que não podem estar junto à “coisa” amada.
A memória evocada pelo ex-prefeito, num primeiro instante é
resultado da individualidade. Mas o fenômeno da memória está
presente na coletividade, o imaginário social forma as lembranças
da sociedade. Neste sentido, a memória social, reflete os
sentimentos herdados de gerações, ou seja, existe um elo,
atemporal, entre os membros de uma mesma
sociedade. Digamos que o sentido de inserção quando cidadãos, do
hoje, se reconhecem na paisagem do ontem. Como afirmou o professor
Mesentier (2005, p.168):
Diferente da memória individual, a memória social se
constrói ao longo de muitas gerações de indivíduos mergulhados em
relações determinadas por estruturas sociais. A construção da
memória social implica na referência ao que não foi presenciado.
Trata-se de uma memória que representa processos e estruturas
sociais que já se transformam. A memória social é transgeracional
e os suportes da memória contribuem para o transporte da memória
social de uma geração a outra.
A memória não é algo pacífico, em sua construção estão
implícitas escolhas, pode-se afirmar, não existe neutralidade
quando o assunto é memória coletiva. Os suportes da memória,
citados pelo professor Mesentier, são os monumentos, os lugares de
sociabilidade, ou seja, tudo aquilo que a sociedade preserva como
meio de guardar seu passado.
A cidade presente guarda lugares de memória, símbolos cheios de
significados, porque dependentes de quem olha ou conforme a
perspectiva deste olhar. Os suportes da memória estão espalhados
pela urbe, readquirindo vida, ganhando novas funções a partir do
tempo moderno. Conforme a historiadora e professora Brescianni (2003,
p.237):
As cidades são antes de tudo uma experiência visual.
Traçado de ruas, essas vias de circulação ladeadas de construções,
os vazios das praças cercadas por igrejas edifícios públicos, o
movimento de pessoas e a agitação das atividades concentradas num
mesmo espaço. E mais, um lugar saturado de significações
acumuladas através do tempo, uma produção social sempre referida a
alguma de suas formas de inserção topográficas ou particularidades
arquitetônicas.
A cidade de Natal descrita por Djalma Maranhão, não existe mais.
Aquela cidade da década de 1960 transformou-se, expandiu seus
limites, sua topografia e muitos de seus topônimos modificaram. Hoje
à encontramos na memória dos contemporâneos do antigo prefeito,
nos museus, arquivos e nos traçados urbanos que continuam, como
testamento da cidade, que a cada dia se verticaliza.
O professor Deífilo Gurgel, pesquisador da cultura Potiguar, em seu
“Romance da cidade do Natal”, também recorda a cidade do seu
tempo de rapaz. Em seus versos expressa a saudade de um tempo
passado. Uma certeza apenas, tem o poeta, a velha urbe não volta
mais, pois:
Depois o tempo
passou,
o bonde não
voltou mais,
não voltou
mais a cidade
do meu tempo
de rapaz.
Agora, a
cidade antiga
cresce no
tempo e no espaço
e o
progresso a moderniza,
a cada dia
que passa.
( Gurgel,
2005, p.135 )
A cidade de Natal, de tempos passados, vive não somente na memória
individual, ela, como já foi dito, está presente nos diversos
lugares de memória. Construir este passado é caminhar por entre os
ditos lugares de memórias. Andar pelos museus, pelas ruas, olhar as
edificações antigas, “remexer” ou “vasculhar” as gavetas e
estantes empoeiradas dos nossos arquivos, enfim, buscar os vestígios
da paisagem urbana de outrora.
Um destes lugares de memória é o Instituto Histórico e Geográfico
do Rio Grande do Norte, templo da nossa história. O IHGRN, esteve
sob presidência de Enélio Petrovich, hoje por Valério Mesquita,
entre seu vasto acervo, guarda imagens da cidade de Natal do passado,
documento “vivo” de sua evolução urbana. São fotos de João
Galvão, Bruno Bourgard, Manoel Dantas e outros não identificados.
Nestas imagens pode-se imaginar a Natal do bonde puxado a burro,
época em que acompanhar um cortejo fúnebre não era tarefa fácil,
e, em muitos casos quando o morto residia na Ribeira havia
necessidade de ir de trem até o antigo Oitizeiro. Vê estas fotos é
para a geração atual um convite à reflaxão, sobre os caminhos e
descaminhos da cidade dos Potiguaras.
Olhar as imagens de Natal antiga é como caminhar em uma “Cidade
Memória”. Verificar as transformações ocorridas, aquela rua ou
aquela edificação que não mais estão presentes na paisagem
urbana, sinais de novo tempo e das intervenções ocorridas ao longo
dos anos. Estes “clicks” ouvidos, alguns a mais de cem anos
passados, registraram um cenário, hoje, apenas existente em “velhos
e empoeirados álbuns”.
Imagens que expressam além das aparências, pois, apresentam a
cultura de nossos antepassados, seja nos estilos arquitetônicos ou
no conjunto representativo do Patrimônio Imaterial. A professora
Ecléa Bosi, referência no estudo da memória, bem afirmou:
[...] Ao lado da história escrita, das datas, da
descrição de períodos, há correntes do passado que só
desapareceram na aparência. E que podem reviver numa rua, numa sala,
em certas pessoas, como ilhas efêmeras de um estilo, de uma maneira
de pensar, sentir, falar, que são resquícios de outras épocas. Há
maneiras de tratar um doente, de arrumar as camas, de cultivar um
jardim, de executar um trabalho de agulha, de preparar um alimento
que obedecem fielmente aos ditames de outrora.
(BOSI, 1998,p. 75)
Esta é a Cidade Memória, viva nas fotos do ontem e do hoje
representa-se, deste modo, a evolução urbana da Cidade de Natal.
Cumpriu a “profecia” do homem de sete instrumentos, Dr. Manoel
Dantas.
O’ tu, cidade bendita, que soubeste viver sob o
sudário de areia, sem blasfemar a vida;
O’ tu, que escreveste a primeira epopéia da
coragem guerreira de Felipe Camarão;
O’ tu, que engendraste a alma forte de
Miguelinho e o espírito varonil de André de
Albuquerque;
O’ tu, que presidiste a eclosão da atividade
industrial de Juvino Barreto e da caridade cristã de
João Maria;
Tu foste o berço onde se aninhou o
sonho alado de Severo e a Crisálida donde partiu o
gênio criador de Pedro Velho;
Tu, que Auta de Souza purificou com a
prece imaculada de seus versos e Segundo
Wanderley enalteceu com arroubos de
sua inspiração;
Surge et ambula!
(Manoel Dantas)
Luciano Capistrano
Professor – Escola Estadual Myriam Coeli
Historiador - SEMURB
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