6 de novembro de 2013

Sobre a Minirreforma eleitoral


Homero de Oliveira Costa, prof. Departamento de Ciências Sociais da UFRN.


Em julho de 2013, o governo, como “resposta” às manifestações de junho encaminhou à Câmara dos Deputados um documento sugerindo a convocação de um plebiscito para que a população fosse consultada sobre cinco pontos de uma possível reforma política: Sistema eleitoral (distrital; distrital-misto e proporcional), financiamento de campanhas (público, privado ou misto), fim da suplência de senador, coligações partidárias (fim das coligações em eleições proporcionais) e fim do voto secreto no parlamento.
Desde o início estava claro para os que têm acompanhado o trâmite da reforma política no Congresso Nacional, que não haveria plebiscito nenhum, pelo menos se dependesse dele e que valesse para as eleições de 2014. Nem mesmo os partidos da chamada “base aliada” aprovaram. Apenas o PT, PDT e PC do B apostaram (e perderam) na realização do plebiscito.
Pouco depois da apresentação da proposta do governo, foi formado um Grupo de Trabalho na Câmara dos Deputados, com 14 integrantes, coordenado pelo deputado Cândido Vacarezza, (PT/SP) e com prazo de 90 dias para apresentar uma proposta de reforma política. Na primeira reunião do grupo, o coordenador foi claro: as mudanças não valeriam para as eleições de 2014. A própria formação de um grupo já mostrava que não havia intenção de fazer reforma política: propostas já existem e há muito tempo no Congresso Nacional, tanto do Senado, como da Câmara dos Deputados com suas Comissões Especiais de Reforma Politicas e os respectivos relatórios finais.
No dia 16 de outubro de 2013, o plenário da Câmara dos Deputados aprovou, por 222 votos contra 161 e uma abstenção, um projeto chamado apropriadamente de “minirreforma eleitoral” (PL 6397/13). O Projeto teve origem no Senado e foi encaminhado à Câmara dos Deputados. Substancialmente, como veremos, não altera em nada o sistema político brasileiro e traz apenas mudanças superficiais e “cosméticas” como, entre outros exemplos, a proibição de pintura de muros particulares pelos candidatos. O PL mantém o financiamento privado das campanhas, altera as normas para propaganda eleitoral na TV e na internet (permite a pré-campanha na internet e nos demais meios de comunicação, podendo os filiados a partidos políticos ou de pré-candidatos participar de entrevistas, programas, encontros ou debates no rádio, na televisão e na internet, com exposição de plataformas e projetos políticos) e entre as mais polêmicas, por suas óbvias consequências, limita o poder de auditoria da Justiça Eleitoral sobre a contabilidade, a prestação de contas e as despesas dos partidos. Com a justificativa de que isso simplifica a prestação de contas dos partidos, a justiça deverá fazer apenas o exame formal dos documentos contábeis e fiscais que forem apresentados pelos partidos políticos. Fica claro, portanto a intenção de limitar o poder de auditoria da Justiça Eleitoral sobre a contabilidade, a prestação de contas e as despesas de campanha eleitoral dos partidos.
Pouco depois, mais precisamente no dia 22 de outubro a Câmara conclui o PL a ser encaminhado de volta ao Senado. O PL ainda foi “flexibilizado” e inclui a rejeição da proposta do Senado de liberação de doações de concessionários de serviços públicos caso eles não sejam "os responsáveis diretos pela doação". Também foi aprovada a ampliação dos recursos do fundo partidário para campanha e a permissão para que, no semestre das eleições, possam ser feitas transferências do fundo partidário aos partidos que tiveram suas contas desaprovadas pela Justiça Eleitoral. Entre as medidas “cosméticas” fica proibido o uso de bonecos nas campanhas e ainda placas, faixas, outdoors, cartazes, bandeiras e pinturas em muro de bens particulares (com multas previstas de R$ 5.000,00 e R$ 15.000,00). Ficou mantida também a proposta do PL do Senado de proibir propagandas que ridicularizem candidato, partido ou coligação.
Outra alteração incluída na proposta da Câmara foi a que permite que o político que receba punição da Justiça Eleitoral possa pagar a multa em até 60 vezes “desde que cada parcela não ultrapasse o limite de 10% de seus rendimentos”. Também fica autorizado que os comícios das campanhas podem ser realizados até às 2h (hoje eles têm que ser encerrados às 24h).
Jânio de Freitas em artigo muito anterior a essas propostas, mas já prevendo o que ocorreria no Congresso, afirmou que “o essencial está fora”. E, de fato, observada às propostas apresentadas pela Câmara ao PL do Senado, questões essenciais ficaram de fora, inclusive várias propostas da Comissão Especial de Reforma Política do próprio Senado, assim como da Câmara dos Deputados (a mais recente teve como relator o deputado Henrique Fontana (PT/RS).
Entre questões importantes que Jânio de Freitas chamou à atenção, estão a que ele chamou de “arrastão” e a outra relativa às doações empresariais. Ambas, fora da minirreforma eleitoral. Em relação ao “arrastão” a referência são as muitas distorções do sistema eleitoral, entre outras, a que permite que uma alta quantidade de votos de um candidato completa a votação insuficiente de outros (houve casos de deputados eleitos com apenas 200 votos, beneficiado por uma coligação que teve à frente um "puxador de votos") distorções, claro, que também ocorrem nas Câmaras Municipais, ou seja, em função da coligações, pode-se eleger candidatos (inclusive de partidos que o eleitor não vota) com menos votos do que outros que não foram eleitos, tornando assim ilegítima a representação parlamentar. No caso da Câmara dos deputados, para exemplificar, apenas 36 deputados foram eleitos em 2010 com votação própria. Os demais se beneficiaram das "sobras" de votos nos respectivos partidos ou de coligações com outros partidos. Portanto, sem haver proibição das coligações, as distorções continuarão. Para ele: “As coligações para absorção de um tempinho a mais na propaganda eleitoral dita gratuita, em TV e rádio, resultam em corrupção maior a cada eleição. Tornaram-se comuns as coligações para que dirigentes de partidos pequenos vendam o tempo de propaganda que caberia à sua sigla”.
Quanto às doações empresariais - grande fonte de corrupção - são usadas “para encobrir identidades e com isso, dificultar possíveis comprometimentos e responsabilizações legais de doadores-compradores. O financiamento das campanhas (...) precisa ser claro e objeto de fiscalização rigorosa em mão dupla: da Justiça Eleitoral, na contabilidade do candidato ou partido, e da Receita Federal na parte doadora. Toda obscuridade eleitoral deslegitima o processo democrático e amplia a corrupção” -.

Há muitas outras propostas relevantes que ficaram de fora. Como disse Jânio de Freitas: “Reforma política que não contribui para a moralização e a representação legítima não é reforma. Com sorte, não é apenas embuste”. É o que temos.

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