19 de outubro de 2013

Eleições limpas

Homero de Oliveira Costa. Prof. do Departamento de Ciências Sociais da UFRN

                  Em Ato Público realizado no dia 25 de junho de 2013 no Conselho Federal da OAB, o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral – MCCE, a OAB  e dezenas de entidades nacionais, lançaram a Campanha “Eleições Limpas”. O MCCE, que coordenou a campanha da lei de iniciativa popular conhecida como “Lei da Ficha Limpa” (LC 135/2010), iniciou a coleta de mais de 1,5 milhão de assinaturas. O objetivo é mudar o sistema eleitoral brasileiro e tornar as eleições mais democráticas. As assinaturas estão sendo recolhidas pela internet e por um formulário impresso para dar entrada no Congresso Nacional de um Projeto de Lei de Iniciativa Popular sobre reforma política (O Conselho Federal da OAB  inclusive disponibilizou pela internet uma cartilha com todas as informações necessárias para os que quiserem aderir a campanha).
 Como se sabe, a Lei de Iniciativa Popular é um instrumento importante que está na Constituição de 1988, embora pouco utilizado. Poucas Leis de Iniciativa Popular foram aprovadas. De 1988 a 2013, apenas quatro: a de crimes hediondos (1994), a que tornou crime passível de cassação a compra de votos (1999), a que criou o Fundo Nacional de Habitação (2005) e a Lei da Ficha Limpa (2010).
  E agora, a tentativa de aprovar mais uma lei de iniciativa popular, com a campanha “Eleições Limpas” para uma reforma política. O movimento apresentou um conjunto consistente de propostas,  e entre elas, à redução do número de candidatos; mudança no sistema eleitoral (o eleitor votará duas vezes: primeiro, no partido ou coligação de sua preferência e depois, no candidato do partido); fiscalização vigorosa e controle social das eleições; proibição de doações privadas (vedação das doações financeiras por parte de empresas a partidos políticos e candidatos); criminalização de quem fizer caixa dois nas campanhas eleitorais e a defesa da transparência na movimentação dos recursos utilizados no processo eleitoral.
É uma iniciativa importante porque não se pode esperar uma reforma política feita pelo Congresso Nacional que contemple o conjunto das propostas apresentadas, por uma razão simples:  não há nem interesse nem consenso em relação a algumas propostas (como a do financiamento público de campanhas). O governo encaminhou um conjunto de propostas (cinco) e a sugestão de um plebiscito, que certamente não será votada para valer para as próximas eleições (2014) e com o arrefecimento dos ânimos das ruas provavelmente não será sequer votada, ou seja, não haverá reforma política nenhuma.
               Uma das propostas mais importantes e polêmicas são a do financiamento público de campanhas, tem sido defendida pelas várias comissões especiais formadas no Congresso Nacional, sem que seja votada em plenário (e que dificilmente seria aprovada) e do sistema eleitoral.  Como afirmou o Juiz Márlon Reis, nosso sistema eleitoral não serve ao Brasil: “Se um dia ele serviu, hoje não serve mais. Ele não diz respeito aos nossos valores, ele desrespeita o senso da sociedade ao privilegiar o abuso do poder político e econômico ao dar vazão à desigualdade nas disputas eleitorais”.
               O que se pretende é mudar a legislação em vigor e o que se pode observar é que, historicamente, houve mudanças importantes na legislação, com progressivo maior rigor da Justiça Eleitoral, mas de qualquer forma, permanecem os mecanismos que tornam as eleições pouco democráticas, na medida em que há uma enorme discrepância de recursos, tanto em relação aos partidos como aos candidatos. Maiores recursos implicam em maior possibilidade de êxito eleitoral, além das implicações para a representação política quando há a prevalência do financiamento privado (em relação às eleições de 2010, o número de doadores pessoas físicas foi de apenas 2% do total arrecadado e dos 513 deputados federais eleitos, 369 foram os que mais gastaram em seus respectivos estados, a maior parte, recursos de pessoas jurídicas).
                  No Brasil, até 1950 o financiamento da atividade partidária e das competições políticas não era considerado responsabilidade do Estado. A partir daí as doações privadas foram permitidas sem limites, tanto de cidadãos como de pessoas jurídicas e só em 1971, com a Lei 5.682/71, que regulamentou o Fundo de Assistência Financeira, os partidos foram proibidos de receber fundos de empresas privadas e de entidades de classes ou empresariais.
                 No entanto, a lei se revelou ineficiente, como foi visto na eleição presidencial de l989, na qual a maior parte dos recursos arrecadados na campanha eleitoral do candidato vencedor (Fernando Collor) foi de empresas (bancos, empreiteiras, etc.) com um eficiente esquema de arrecadação comandado pelo tesoureiro da campanha, Paulo Cesar Farias.
                 O que mudou em termos da lei? Depois do impeachment de Fernando Collor, só em l995 é que foi aprovada a lei de n. 9.096, alterando a forma de financiamento, permitindo tanto por parte de pessoas físicas quanto de empresas, a partidos e candidatos, estabelecendo limites máximos de doações (10% e 2%, respectivamente do total de rendimentos brutos do ano anterior), em 1996, através da Resolução 19.768, o Tribunal Superior Eleitoral, disciplinou a prestação de contas dos partidos e o Fundo Partidário (Fundo Especial de Assistência Financeira dos Partidos Políticos) e em 1997, em 30 de setembro, foi aprovada a lei n. 9.504, em vigor, que estabeleceu as normas para as eleições (art.17 a 32) e manteve o financiamento misto (público e privado) e os limites de doações tanto para pessoas físicas quanto jurídicas.
                   No entanto, não são estipulados valores máximos quando a doação é feita aos partidos políticos, o que se constituiu numa “brecha” da legislação, aproveitada pelas empresas, que preferem doar aos partidos em vez de doar aos candidatos (embora também o façam, em menor proporção).
       A lei também determina que os partidos, através de seus respectivos comitês financeiros, podem arrecadar dinheiro e prestar contas, indicando as fontes (a lei condiciona a diplomação dos eleitos ao encaminhamento e aprovação da prestação de contas) e os partidos e candidatos devem abrir uma conta bancária específica e informar o valor máximo a ser gasto. A lei veta doações de órgãos da administração pública, concessionária ou permissionária de serviços públicos, entidades ou governos estrangeiros, de entidades de classe e sindical. Em caso de descumprimento da lei, os eleitos são passíveis de cassação do mandato.
 Tudo isso evidencia a preocupação por parte da Justiça Eleitoral em disciplinar os recursos das campanhas eleitorais, estabelecendo regras, normas e sanções. No entanto, como fica amplamente demonstrado em sucessivos escândalos envolvendo empresas e financiamento de campanhas, por exemplo, não tem conseguido impedir a formação do chamado “caixa dois”. O que a campanha “Eleições Limpas” propõe são alterações na lei. Quando propõe à proibição de doações de empresas é porque elas não são titulares de direitos políticos, não exercem cidadania e sim tem o lucro como finalidade. De qualquer forma, mesmo que haja alterações na lei (e há um longo caminho pela frente) é necessário ir além da simples aprovação, pois como afirma diz Délia Rúbio Ferreira no artigo “Financiamento de partidos e campanhas: fundos públicos x fundos privados.” (Novos Estudos CEBRAP, n.73, p.35, 2005): “A efetividade das restrições legais depende essencialmente da capacidade e eficácia dos órgãos de controle. Qualquer que seja a estratégia normativa escolhida, ou o modelo de combinação entre fundos públicos e privados, deve-se ter presente que a aprovação das leis nada mais é do que o ponto inicial do caminho a percorrer. Nesse campo, as normas são necessárias, mas não suficientes. Para que haja um processo político-eleitoral democrático e transparente é necessário arbitrar mecanismos de controle efetivos e gerar uma verdadeira cultura da transparência, com um autêntico compromisso dos atores políticos e da sociedade civil. Sem esse compromisso, as normas, por melhores que sejam, se tornarão letra morta e as relações entre dinheiro e política se desdobrarão por canais paralelos, à margem de todo controle”. A simples existência da lei, portanto, não assegura necessariamente a democratização do processo eleitoral, mas pode ser um passo importante nesse sentido.  

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