24 de agosto de 2013

MARCELO FERNANDES

O teatro é a sombra do viver”


Paulo Jorge Dumaresq


Ele tem mar no nome. Talvez isto explique sua forte ligação com a natureza. O pé de pau-brasil plantado em frente ao atelier na rua Cussy de Almeida, na Cidade Alta, reforça seu amor incondicional pela natura. Aliás, os elementos do universo físico, processados pela mente, inspiram o artista a produzir sua obra pictórica.
Marcelo Fernandes Pinheiro recebeu o Nós, do RN... com largo sorriso e atitude solícita. Serviu água e deixou a reportagem à vontade. Com a programação da FM Universitária servindo de trilha sonora, propomos ao artista e escultor de 55 anos para se autodefinir. Vinculou o primeiro nome ao mar. “Marcelo é do mar, do nadar, do saber, do pesquisar, do buscar. Do mar só quero uma onda. A minha relação com a natureza é total. É a minha família”, ressalta.
Aquariano nascido no segundo dia de carnaval de 1957, Fernandes destaca que brotou abençoado do ventre da mãe, porque veio ao mundo pulando. Na vida, precisou dar muitos pulos para conquistar suas vitórias e o reconhecimento de sua arte. Filho de pais separados, passou parte da infância com os avós. Desta convivência enlevou-se pela sanfona de oito baixos tocada pelo avô agricultor. Este foi o ambiente artístico que encontrou na puerícia marcada por peladas e traquinagens de menino levado. Revela que o avô herdou o instrumento do afamado sanfoneiro cearense Zé Menininho. “Admirava meu avô. Ele tocava valsas com as mãos calejadas de agricultor”, lembra com um nó na garganta.
No fluxo e refluxo das ondas da vida, Marcelo morou em vários quadrantes de Natal. Na rua Pinto Martins, perto do mar e longe da cruz, aprendeu a admirar e sentir as águas do Atlântico. Fora do estado residiu em Santos com a mãe e estudou no Colégio dos Andradas. Novamente o mar no seu caminho. “Morei em muitos lugares. Tenho lembranças da casa de taipa da Pinto Martins, da Cirolândia e dessa casinha da Cussy de Almeida (atelier). Jogava bola aqui. Era driblador. Gostava de fazer a festa. Essa casa é herança de família”, ilustra.
Se a arte estabelece valores humanos, o pai da pequena Beatriz professa emocionado, vertendo lágrimas, que ser artista vem da humanização, do carinho que recebe e doa. As cores da sua pintura são o azul e o branco, matizes que explicam seu fascínio pelo céu e o mar, mais do que supõe nossa vã filosofia.
Antes de se tornar um artista plástico premiado e famoso, a direção de Marcelo Fernandes na arte foi o teatro. Integrou o politizado Grupo Nuvem Verde de Teatro Aberto, o primeiro a montar a obra do dramaturgo alemão Bertold Brecht em Natal, no ocaso dos anos 1970. Com “A Exceção e a Regra” e os “Os Fuzis da Senhora Carrar”, o grupo se apresentou em Aracaju, João Pessoa e Mossoró, entre outras cidades nordestinas. “Natal estava carente de uma proposta de teatro político que não tivesse tempo. Era incrível sair do personagem e conversar com as pessoas nas praças públicas. O teatro é a sombra do viver”, filosofa.
Parte integrante dos quadros da TV Universitária, Marcelo produziu cenários para os programas da emissora estatal, mas abandonou tudo para se dedicar às artes, preferindo viver da produção pictórica. Com seus conhecimentos em cenografia colaborou, ainda, no antológico filme “Boi de Prata”, do cineasta Augusto Ribeiro Junior, rodado em Caicó e no Rio de Janeiro.
Seu primeiro contato com as plásticas foi por meio do também artista Assis Marinho. Marcelo utilizava as sobras do material de Assis para fazer esboços com giz de cera. Desta iluminação surgiram os primeiros quadros: “Se não fosse a beleza do traço de Assis Marinho eu não teria entrado nas artes plásticas. Foi um momento abençoado. Buscava uma arte própria, individual”, justifica.
O artista contou que naturalmente procurou o caminho do abstrato, porque as informações que recebe são abstratas. “O pensamento do artista é complicado porque trabalha luz, sombra e movimento. Na minha trajetória de vida acompanhei o céu, a lua e o mar. A lua me enlouqueceu. O único refúgio que eu tive foi a lua. A lua me refletia. A lua é como a bola de futebol que rege o mundo”, compara.
Do mercado de artes plásticas não tem conhecimento e quer distância. A preocupação do artista é com a qualidade dos trabalhos. No caso dele, qualidade e quantidade andam juntas, uma vez que produz de forma ininterrupta. Com Natal incluída no roteiro turístico internacional, hoje o mundo inteiro consome as obras do artífice dos mil traços.
Marcelo não precisou de compadrio. Fez-se pelo talento. A insistência em experimentar materiais diversos culminou na descoberta do Giz de Cera Multicor. “Quando inventei o giz eu o patenteei nos anos oitenta. A patente é tipo Modelo de Utilidade (MU). Eu reaproveitei o giz e dei uma nova função ao material. É muito difícil você patentear algo. O processo me levou à loucura. Mais fácil inventar do que registrar. Não quero mais ficar doente. Não tenho mais tempo para isso. Quero viver”, enfatiza.
Giz multicor em punho, o artista começou a desenvolver técnica própria, utilizando o abstracionismo como expressão dos seus sentimentos. O resultado nos quadros deveu-se aos estudos e observações dos contrastes das nuvens, das sombras, dos reflexos de luzes no mar e da multiplicidade de cores durante o pôr do sol: “Sempre trabalhei com a luz natural”.
Com o tempo, Marcelo Fernandes foi firmando seu nome, a ponto de participar do Festival de Artes do Forte dos Reis Magos e do mural da Galeria do Povo. Para mostrar seus trabalhos realizados com a descoberta da nova técnica, resolveu fazer sua primeira exposição individual intitulada “Cristais e Rochas”, na Galeria da Biblioteca Câmara Cascudo, promovida pela Fundação José Augusto.
Carreira em ascensão, Marcelo foi escolhido para fazer a capa da Listel, lista telefônica patrocinada pela antiga Telern, em 1992. Sentindo a necessidade de mostrar seus trabalhos fora dos limites potiguares, viajou pelo Brasil e participou de exposições coletivas e mostras individuais em cidades como Olinda, Belo Horizonte, Salvador, Brasília, Ouro Preto, entre outras.
O sucesso catapultou a carreira do artista. Atravessou o Atlântico e na Europa expôs sua obra ao ar livre em cidades como Paris, Lisboa, Genebra, Madri, Amsterdam e Londres. De volta para Natal, com a cabeça fervilhando de ideias e inspirações, ministrou oficinas e participou de exposições coletivas, individuais e concursos de arte.
A consagração na cidade berço veio com o primeiro lugar no concurso “I Salão de Artes Plásticas da Cidade do Natal”, promovido pela prefeitura municipal, por meio da Fundação Cultural Capitania das Artes. Em seguida, foi selecionado entre os 20 melhores artistas do Nordeste para fazer parte de uma exposição coletiva chamada “Concurso Pireli Pintura Jovem”, no Hotel Miramar, em Recife.
Atualmente, o artista está se dedicando às tintas que, em sua opinião, trazem mais tranquilidade. “Para expor eu me preparei muito. Estou abandonando a técnica que inventei e partindo para um processo de criação mais lento. Eu quero agora aterrissar um pouco para me requalificar e me aperfeiçoar. Vim pela contramão para achar uma mão no entendimento das artes plásticas”, explica.
Em que pese a falta de reconhecimento local ao trabalho desenvolvido pelos artistas potiguares, Marcelo não é dos que mais se lamentam, até porque goza de prestígio no estado. Não veio ao mundo para cobrar nada de ninguém, visto que, coerente, teria que se cobrar primeiro. “O reconhecimento é mais espiritual. A arte é espiritualizada”, declara. Questionado qual seria sua relação com Deus, responde com os braços flexionados para cima que “Deus é luz, movimento, trabalho. É o fazer”. E acrescenta: “As energias de Deus passam por você e você nem percebe”.
As experiências de vida fizeram de Marcelo Fernandes uma pessoa sofrida. Desconforto esse - confessa em letra de forma – pelo fato de ter dado alguns dissabores à família em dias mais antigos, mas, por outro lado, trabalhou e ajudou bastante seus cúmplices do amor e da amizade. Contudo não se considera uma pessoa solidária, porque às vezes é cruel consigo mesmo. Projetos futuros há de executar. Sem dar detalhes cogita trabalhar com crianças, adolescentes, adultos e pessoas da terceira idade. “A educação vai ser sempre o caminho”, indica.

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