8 de outubro de 2018

Interface do espectador dos antigos cinemas natalenses


                                                                                            Teatro Alberto Maranhão

Anchieta Fernandes

            Embora o século passado  (século 20) tenha recebido impactos influenciadores de outros segmentos culturais, nenhum destes segmentos conseguiu superar a influência do cinema. A chamada Sétima Arte nos deu a chance maior de conscientização, ao passar por seu crivo as ações corajosas ou covardes dos homens, as problemáticas sociais, as belezas criadas pelos artistas, os movimentos instintivos dos animais, as explosões fenomênicas da Natureza. A primeira vez que a História do Cinema em Natal foi registrada pelo suplemento Nós do RN foi no nº 13, de dezembro de 2005.
             Uma segunda vez foi no nº 52, de agosto de 2009, onde foi contada exclusivamente a história do primeiro cinema a existir na cidade, o Cinema Natal, que não tinha prédio próprio, funcionando no interior do então Teatro Carlos Gomes (atual Teatro Alberto Maranhão). Portanto, a história dos chamados cinemas de rua natalenses já está um pouco fixada nas páginas destes números mencionados. O que desejo comunicar agora aos leitores do suplemento, são detalhes do relacionamento das pessoas com os cinemas e com os filmes vistos em velhos e novos cinemas da capital norte-riograndense.
           Primeiro, o susto e o deslumbramento mesmo ainda antes dos cinemas. Naquela noite de sábado, 16 de abril de 1898, Nicolau Maria Parente, que chegara à cidade com um estranho aparelho chamado cinematógrafo, fez com que, da projeção de luz do aparelho na parede de um depósito de açúcar, começassem a se animar fotografias. Alguns espectadores quiseram correr com medo, ao verem uma locomotiva vindo em toda disparada daquele foco de luz, em risco de “atropelar” perigosamente as pessoas (era o pequeno filme “A Chegada do Trem”, de Luis Lumière, um dos inventores do cinema.

Do Politeama ao São Pedro

          Algum tempo depois, foi a inauguração do primeiro cinema em prédio próprio. Era o tempo do governador Alberto Maranhão, um jovem administrador, que revolucionou a fisionomia urbana de Natal, inaugurando a luz elétrica da cidade a 02 de outubro de 1911. O Cinema Politeama, a primeira casa de espetáculos construída especificamente para mostrar filmes, em Natal, foi inaugurado a 08 de dezembro do mesmo ano. O nome fora escolhido através de concurso no jornal A República, por sugestão do leitor do jornal Orículo Silva, que como prêmio ganhou ingresso aos filmes durante um mês.
               O primeiro cinema do bairro Cidade Alta, o Royal Cinema, foi inaugurado entre as ruas Vigário Bartolomeu e Ulisses Caldas, na segunda-feira, dia 13 de outubro de 1913. Na época, a direção do novo cinema já se preocupava com a poluição ambiental, pois nas paredes tinha um aviso proibindo fumar no recinto do cinema. Mas alguns espectadores não ligavam ao aviso e continuavam tirando suas baforadas. Quando chegava o São João, a meninada, com algazarra, provocava mais fumaça queimando traques e bombas, além de cobrinhas que corriam às vezes para debaixo das saias das espectadoras.
              O Teatro Carlos Gomes, que já abrigara em seu interior o Cinema Natal, passou a ser mesmo cinema a partir de 13 de outubro de 1928, um sábado, com o título Cine-Teatro Carlos Gomes. As crianças natalenses tiveram um motivo para irem ao cine-teatro a 24 de abril de 1932. É que, neste dia, com a apresentação de um filme publicitário sobre o inseticida Flit (aquele do “soldadinho na lata amarela com a faixa preta”), as crianças que ali compareceram ganharam soldadinhos de brinquedo (os famosos “soldadinhos de chumbo” que fizeram a alegria de tantos meninos de outras épocas).
                Adultos também ganhavam brindes nos cinemas. Do cinema Rex, na Cidade Alta, inaugurado a 18 de julho de 1936, pode-se tirar exemplos desta distribuição de brindes. As mulheres que foram ao cinema a 04 de junho de 1941, receberam amostras do esmalte Fátima e das águas de colônia Serenata e Volúpia. Outro tipo de brinde, para homens, na época do carnaval, era caixas com vários tubos de lança-perfume, sem proibição policial ainda não existente, e aproveitando que os cinemas exibiam no referido período filmes carnavalescos, projetando na tela os cantores famosos vindos do rádio.
            E é claro que retrato era uma coisa muito valorizada pelo espectador da era de ouro do cinema. Em Natal, meninos se reuniam em frente aos cinemas Rex e São Pedro (este inaugurado no Alecrim, na Noite de Natal de 1930), para formarem a feirinha de troca, venda e compra de revistas de histórias em quadrinhos. Também apareciam nas mãos da criançada os famosos álbuns de figurinhas, as estampas Eucalol, e os álbuns com as fotos de astros e estrelas do céu do espetáculo hollywoodiano. Muitas vezes, se escrevia para os próprios artistas que, de volta, mandavam as fotos autografadas.

Novidades desde a Segunda Guerra

               Aliás, durante a Segunda Guerra Mundial, muitos atores e atrizes de Hollywood passaram por Natal, indo em direção ao front, eles para combaterem, elas para se apresentarem em shows no front. Dentre as atrizes que passaram por Natal, estava Kay Francis. Tendo oportunidade de vê-la ao vivo, o jornalista Venturelli Sobrinho publicou no jornal A República um artigo com entusiásticos elogios à beleza e ao talento dela. Alguém leu e traduziu o artigo para ela, que, sensibilizada, escreveu uma carta ao jornalista agradecendo os elogios. Outras atrizes inspiravam sonetos aos nossos poetas.
              Ao longo da história da Sétima Arte na cidade, espectadores viram muita violência representada na tela. E também praticaram ou sofreram violência nos cinemas. Em determinado dia, o Cine Alecrim exibiu poucos minutos do filme. Como não continuou, os espectadores depredaram, quebrando 10 cadeiras. A 11 de maio de 1964, um sargento da polícia tentou matar com um tiro um estudante que assistia um filme no cinema Rio Grande. Alguns outros espectadores se levantaram, apavorados, e o tiro foi atingir não o estudante mas uma espectadora que estava na linha do tiro (mas ela não morreu).
            Aliás, o cinema Rio Grande merece um destaque: caracterizou-se como lançador de novidades tecnológicas, algumas até modificando o jeito do espectador olhar as imagens. Exemplo: logo nos primeiros anos da década 50 lançou filmes em 3D, Terceira Dimensão, bastante antes do “Avatar” lançado nos cinemas dos shoppings recentemente, sendo então ou agora necessário o espectador botar no rosto sobre os olhos as lentes polaróides (óculos bicolores), que possibilitam ler o processo de construção da imagem em 3D. O cinema Rio Grande também lançou em Natal filmes cinemascope.
              A melhor interface seria o próprio espectador passar à prática, para se modificar na cena do cine-mundo, atendendo ao convite da fala fala final de Chaplin em “O Grande Ditador”: “Vós, o povo, tendes o poder de tornar esta vida livre e bela. De faze-la uma aventura maravilhosa. Vós, o povo, tendes o poder de criar máquinas. O poder de criar felicidade! Lutemos por um mundo novo, um mundo bom que a todos assegure o ensejo do trabalho, que dê futuro à mocidade e segurança à velhice.” Este filme eu vi, pela primeira vez, no cinema Rex, a 09 de setembro de 1961.

Quando e onde passaram em Natal alguns filmes-marcos (necessariamente, não é colocada aqui a primeira data em que o filme foi visto em Natal, mas também reprisis, quando não foi possível encontrar a data do lançamento na cidade):
A Chegada em Gôndola, pequeno filme-documentário de Promio, o cinegrafista dos irmãos Lumière, filme realizado em 1896 e que criou o travelling (movimento de câmera, deslisando ao longo de objetos e personagens , aproximando-se ou afastando-se deles); foi mostrado na primeira sessão de cinema apresentada em Natal, em um depósito de açúcar, na Ribeira, na noite de sábado, 16 de abril de 1898.
Cine-Jornal do Rio Grande do Norte, primeiro filme realizado no Rio Grande do Norte, dirigido por Anfilóquio Câmara em 1924, foi mostrado em première nos cinemas Politeama e Royal Cinema, a 18 de outubro de 1924.
Volga-Volga, o primeiro filme cantado e musicado, sincronizado o som às imagens via uma eletrola Victor, e dirigido por Tourganski, foi visto pela primeira vez em Natal no Cine-Teatro Carlos Gomes, a 08 de maio de 1930.
Branca de Neve e os Sete Anões, primeiro desenho animado em longa metragem, produção dos estúdios Disney, estreou em Natal no Cinema Rex, a 22 de junho de 1939.
Cidadão Kane, filme dirigido por Orson Welles, revolucionando a linguagem do cinema com a sua multiplicidade de planos, estreou em Natal no Cinema Rex, a 26 de fevereiro de 1943.
O Manto Sagrado, do diretor Henry Koster, estreando filmes em cinemascope em Natal, estava sendo exibido no Cinema Rio Grande a 25 de junho de 1955 (aliás, foi mesmo o primeiro filme realizado na dimensão cinemascope).
Glória Feita de Sangue, um dos melhores filmes anti-guerra, dirigido por Stanley Kubrick, iniciou a 16 de fevereiro de 1963, no Cinema Rex, as sessões de Cinema de Arte promovidas pelo Cine Clube Tirol.
Contos da Lua Vaga, do diretor japonês Kenji Mizoguchi, um dos mais belos trabalhos fotográficos no cinema, foi apresentado no Cinema Rex a 21 de novembro de 1964.
Oito e Meio, de Federico Fellini; as imagens cinematográficas traduzindo fielmente as imagens nos sonhos de um diretor de cinema, ou seja, metalinguagem neste filme mostrado no Cinema Rio Grande a 06 de agosto de 1967.
Woodstock, o melhor documentário sobre o famoso festival de música hippie acontecido numa fazenda do estado de Nova Iorque (EUA); dirigido por Michael Wadleigh, o filme se fragmenta dinamicamente em vários planos opcionais à visão do espectador, simultaneamente: foi visto no Cinema Rio Grande a 24 de outubro de 1980.
Deus e o Diabo na Terra do Sol, a revolução de linguagem efetuada por Glauber Rocha no cinema brasileiro, via Cinema Novo; estava em cartaz no Festival Glauber Rocha, no cinema Rio Grande, a 25 de setembro de 1981.
Um Corpo Que Cai, de Alfred Hitchcock; verdadeiro poema dramático que começa com puro poema gráfico, nos créditos de apresentação criados por Saul Bass; além de vezes anteriorea, foi mostrado no Cinema Rio Grande a 15 de agosto de 1986.

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