22 de julho de 2016

EVOLUÇÃO



Tarcisio Rosas (Sociólogo e contista)
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Em dias de junho de 1535 aportava na foz do Capibaribe a frota que trazia das lonjuras de além-mar Duarte Coelho, para assumir o posto de Capitão-mor da Capitania de Pernambuco. Integrava a sua comitiva Jerônimo, seu cunhado, indivíduo de espírito aventureiro e emérito galanteador de gentis-damas. Essas características de personalidade lhe trariam, anos mais tarde, singular contratempo.

Incursionando pelas matas, distanciou-se sobremodo da sede da administração, aproximando-se dos domínios do temível chefe indígena Ubirã-Ubi. Em dado instante, ele e alguns companheiros foram surpreendidos por um bando ululante que, após ligeira escaramuça, os tornou prisioneiros e os arrastou para a aldeia, nas imediações de Igaraçu. Ali, não se sabe como nem por quais circunstâncias, conheceu a bela Catarina, filha do tal Ubirã. Apesar de sua condição pouco invejável de prisioneiro, cortejava-a quase diariamente.

Surpreendida em peculiar colóquio a jovem arcou com modelar reprimenda paterna, cabendo ao fogoso português severa condenação ao sacrifício da antropofagia. Horas antes do repasto, atendendo a insistentes apelos da exuberante nativa, o austero guerreiro resolveu libertá-lo, não sem antes adverti-lo, aliás, magnanimamente, que, uma vez o surpreendesse rondando aquela área num raio de cinco léguas seria literalmente caçado por seus bravos com a mesma determinação com que o fariam se, famintos, perseguissem suculenta lebre.

O nobre cavalheiro, que não era de todo desprendido das coisas materiais (e aí inclua-se a própria pele), não careceu muito tempo para concluir, mui sabiamente, ser bastante razoável mimosear o bom homem com outras tantas léguas, ato contínuo seguindo a linha do litoral na direção norte, sem olhar para trás, até parecer-lhe estar o morubixaba suficientemente satisfeito com sua metrificada decisão.

Acontece que a dita princesa, passados alguns meses, mostrava-se de ordinário enauseada e trazia o ventre de tal forma avantajado que o circunspecto pai, não exatamente obtuso, afastando a hipótese de indigestão, passou a conjeturar que quando o endiabrado Jerônimo fora expulso o leite já havia sido derramado. “Que fazer?...”  pensou, dentes trincados em ira vã: “cozinhar a moça em fogo brando, lanchar o neto indesejado ou revirar as matas, em procura do responsável por seu infortúnio?!”. Marcaria triplo, talvez (essa a alternativa mais provável, a julgar pela tensão que o dominava naquele primeiro momento).

2

Noites insones foram consumidas em conluio com tais dúvidas, ora uma ora outra idéia se afigurando a mais sensata em sua avaliação. Indiferente à sua insegurança seguia o tempo, arredondando as formas da jovem cada vez mais, o que prometia viçoso rebento.

E o indormido tuxaua começou a imaginar: “e se os deuses estiverem me enviando, por linhas tortas, um descendente de alta estirpe para enriquecer minha linhagem?”. Sim, porque se via que aquele brioso rapaz vinha de terras distantes, de um mundo diferente. “E se os deuses?...”  coçava o queixo. E lá se via, de novo, envolvido em reflexões.

De cogitação em cogitação, cerca de nove meses apos haver flagrado aquela parelha no dito colóquio, eis que a moça berra aos quatro ventos angústias não sei quais, enquanto virtuosas e experientes damas da tribo (consumadas matronas) riem de esguelha e se põem em ação, sacando, não se sabe de onde, poções contemporizadoras, ao passo em que lá fora a “dança da vida”, ou algo do gênero, era ministrada por paramentados pajés e saltitantes noviços em incomum alvoroço.


Ah, agora o meditativo chefe já não sabia para onde pender: chorar ou sorrir?  este o dilema final. De repente... Chorou o menino, vindo à luz; sorriu o velho, saindo do negrume de sua madrugada. Vencera a vida.

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