18 de junho de 2015

Quelônios no cinema 1


     Anchieta Fernandes
           
      Quelônio é a espécie animal da subordem dos chelonia, bastante conhecida em algumas partes do mundo porque alguns exemplares vivem em terra e outros na água, ou alguns vivendo simultaneamente em terra e na água. Conforme a região, são popularmente denominados tartarugas, cágados ou jabutis. É também um animal que, embora poucas vezes, fez presença na história do cinema. E alguns filmes em que ele aparece se tornam sucesso de público, com um mínimo de entusiasmo por parte de certos críticos. Foi o caso, por exemplo, da série com as personagens tartarugas ninjas. Primeiro, foram criadas em quadrinhos, pelos desenhistas norte-americanos Peter Laird e Kevin Eastman, em 1983, e lançadas em uma revista da FirstPublishing, no mesmo ano. E em 1987, as estórias foram adaptadas para um filme televisivo, As Tartarugas Ninjas, animação desenhada por Bill Wolf.
      O enredo é bastante comunicativo ao público infanto-juvenil, narrando o que acontece depois que um acidente radiativo transforma quatro tartarugas macho em seres muito maiores e inteligentes. Elas passam a viver nos esgotos de Nova Iorque, onde, sob orientação de um sábio rato, o Mestre Splinter, se dedicam a combater um líder do mal chamado Destruidor. Hábeis nas artes marciais, marcaram o ponto de atração no que o espectador pede de aventuras. E, é claro,,vieram os remakes. Em 1990, Steve Baron, um excelente criador de clipes, dirigiu o primeiro As Tartarugas Ninjas com atores e atrizes ao vivo. Cinquenta milhões de dólares rendeu, na primeira quinzena de exibição nos Estados Unidos; foi uma prova do sucesso das tartarugas imaginárias. Não demorou: em 1991, o diretor Michael Pressman fez o segundo filme das tartarugas ninjas, com intérpretes vivos.
      Como mencionei linhas atrás, o enredo das tartarugas ninjas é bastante comunicativo ao público infanto-juveni. Aliás, em determinados filmes, crianças sabem o jeito de dar atenção e carinho a pequenos animais da espécie. No filme “Abracadabra”, realizado em 2003 por MoacyGoes, um jabuti aparece sendo vitimadopor personagens maus de contos de fadas, que o põem de costas, sem ele poder se desvirar. Mas a menina Maria, da estória de João e Maria, chega e ajuda o jabuti a se achar na posição normal. E no filme “Mooladé”, do africano OusmaneSembene, realizado em 2004, tem um terno momento, em que uma das meninas obrigadas pela líderda luta contra a mutilação genital feminina, imposta violentamente desde a infância, brinca com uma tartaruguinha, dando-lhe banho em uma tina.
      No famoso livro da literatura infantil universal “Aventuras de Alice no País das Maravilhas”, de Lewis Carroll, que teve sua primeira edição publicada em 1865 pela editora londrina MacMillan, um dos personagens da narrativa é a Tartaruga Falsa. É portanto um personagem sempre presente em todas as versões cinematográfricas do livro de Carroll, desde a primeira, “Alice in Wonderland, produzida e drigida na Grã-Bretanha, em 1903, por Cecil Hepworth. Uma coisa curiosa, na versão norte-americana de 1933, produzia pela Paramount e dirigida por Norman McLeod, é que a “Tartaruga Falsa” não é interpretada nem por uma menina, nem por uma mulher, e sim pelo ator Cary Grant. Ainda com o tema de álice no País das Maravilhas”, incluindo a “Tartaruga Falsa”, teve o primeiro filme com animação de marionetes, realizado na França em 1948.
     Mas o quelônio, um dos ícones animais no cinema, com casco e sendo poedores de ovos, foi projetado mais vezes nas telas sob a forma de expressão desenho. Talvez motivada esta circunstância pelo fato de que, sendo animais muito lentos em seus movimentos as tartarugas não temmuita eficiência na linguagem da reconfiguração real, não substancializando a linguagem cinematográfica, essencialmente dinâmica. Daí, a graça eficaz de filmes desenhados, como “Macaco Feio, Macaco Bonitoartistas”, da dupla de Artistas Luiz Seel e João Stamato, eonde, além do personagem “Chiquinho”, da revista “O Tico-Tico”, aparecem diversos animais, inclusive uma tartaruga. Seel e Stamato fizeram a série de animações “Macaco Feio, Macaco Bonito” entre os anos de 1929 a 1933. No documentário de longa-metragem “Panorama do Cinema Brasileiro”, é destacada esta criação dos dois.
       Em 1953, foi lançado o primeiro desenho animado de longa-metragem do cinema brasileiro: “Sinfonia Amazônica”, de AnélioLattini Filho, que passou seis anos elaborando esta obra-prima da cinematografia nacional que, infelizmente, é totalmente desconhecida pela maioria dos espectadores atuais. Trabalhando em quinhentos mil desenhos (estudos, cenários, arte final), Lattini construiu este belo poema fílmico, onde o Curumiim e o Boto viajam pelo Rio Amazonas, encontrando diversos animais das lendas que explicam como eles surgiram. Tem a “Lenda da Lua e do Urutau”, a da “Iara e doArco-Íris”, e a “do Fogo e do Jabuti”, sendo estas duas últimas “as que finalizam o filme numa apoteose” – como afirma Antonio Moreno no livro “A experiência Brasileira no Cinema de Animação” (Editora Artenova S.A., 1978).
      Em 1972, enquantona Inglaterra o direto rWilliam Sterling filmava uma versão musicada das “Aventuras de Alice no Mundo das Maravilhas”, com músicas de Don Black e também a “Tartaruga Falsa”, no Brasil  Yppê Nakashima, japonês naturalizado realizava o segundo filme de desenho animado colorido, de longa-metragem, do país, “Piconzé”, com outros personagens interessantes, além de uma tartaruga, Teimoso, Maria, Louro Papo, Dom Chico Leitão, Bigodão.. No já referido livro “A Experiência Brasileira no Cinema de Animação” (Editora Artenova S.A., 1978, em convênio com a Embrafilme), o escritor Antonio Moreno explica que o filme de Yppê Nakashima, ao contrário da maioria, não tem os cenários pintados. Todos eles são compostos porcolagens, dando assim uma maior impressão e destaque nos cenários, apresentando uma maior idéia de profundidade.
        Entre as décadas 30 a 50 do século passado, espectadores, tanto das salas de cinema como das telinhas de tv, tiveram o privilégio de verem muitos desenhos animados de excelente qualidade estética e uso criativo da linguagem cinematográfica, tendo animais como personagens. Os estúdios Disney, ou artistas isolados como Walter Lantz, produziram preciosidades, que depois foram constituir as imagens de outras tecnologias, nascidas com o objetivo de seduzirem cada vez mais público, à base do comodismo caseiro e da economia na hora de divertircom os fabulosos desenhos. Foi então o momento dos vídeos, através dos quais foram divulgadas antologias de obras-primas, clássicos da era de ouro do desenho hollywoodiano. Uma destas antologias foi o “Festival de Oscars”, reunião de nove desenhos animados disneyanos, dentre os quais “A Tartaruga e o Coelho”, visualizando em vídeo o tema da velha fábula de Esopo, onde uma tartaruga vence com esperteza um coelho em uma corrida.
      Walter Lantz também apelou para o absurdo e o fantástico, desde a criação do seu personagem “Picapau”, ave atrapalhada e destruidora (principalmente quando começa a bicar sem dó nem piedade qualquer árvore). Certos representantes conservadores da sociedade estabelecida não aceitaram o personagem, acusando-o de violento. Lantz retrucou aos críticos, dizendo que apenas fazia o gênero desenho animado de palhaçada. Ao final do século vinte, a C/C Vídeo vendeu a antologia “Os Amigos do Picapau”. Dentre os quais estava uma tartaruga protagonista principal do filme “A Tartaruga Voadora”, onde ela parodia a incrível capacidade da freirinha da série “A Noviça Voadora”. A mesma empresa, C/C Vídeo, lançou depois uma segunda antologia “Os Amigos do Picapau2”, onde o destaque é o pinguim “Picolino” (aliás, nos oito desenhos da antologia ele é o protagonista principal, embora tendo a reboque um urso polar e outra ave.
       Quem também teve que se haver com estripulias de tartarugas foi o cachorro “Pluto”, criado pelos estúdios Disney em 1930. Charles A. Nichols e MiltSchaffer dirigiram a antologia “Pluto Superstar”. Seleção de 12 desenhos com o cachorro engraçado, propriedade do rato “Mickey”. Em duas das estórias, a saúde psicológica dele é ameaçada pela intervenção de um quelônio: em “CaninePatrols”, filme realizado em 1945, “Pluto”, como membro da Guarda Costeira, tenta impedira ação ilegal de uma tartaruga nadando em lugar proibido; em “HouseWarnming”, realizado em 1947, “Pluto” vê, apavorado, sua nova casa serinvadida por uma tartaruga e um cachorro. Comentando sobre esta antologia de filmes de “Pluto”, os redatores xo Guia Prático “Nova Cultural” sob o título “Vídeo Infantil” (lançado em 1991) dizem: “A animação desses desenhos é excepcional, as histórias são muito interessantes e as expressões faciais surpreendentes.”
        Mas, como outros pequenos personagens na visão emocionante das crianças chegavam pelas mãos de diretores não desenhistas! Foi o caso de LuisBunuel, que em seu primeiro filme feito na França, “Cela s’Appellel’Aurore” (realizado em 1956, baseado em romance de Emanuel Robles), colocou uma tartaruga, insolitamente, tão mítica como as cabras que caem dos rochedos no filme “LasHurdes” (realizado em 1932), ou o touro negro da imaginação infantil do filme “Viridiana” (realizado em 1961). Era aí o Bunuel fiel às suas raízes surrealistas, distinguíveis em um dos seus primeiros filmes (“Um cão andaluz” (realizado com Salvador Dali em 1928), no qual, conforme ele próprio declarou, “a trama é o resultado de um automatismo psíquico CONSCIENTE e, dentro desse padrão, não procura narrar um sonho.”
       Como eu disse no primeiro parágrafo desse artigo, quelônios (tartarugas, cágados, jabutis) fizeram presença no cinema,, mas poucas vezes (algumas até como pura referência tituladora de uma obra fílmica, como o filme “Tartarugas podem voar”, realizado em 2004 pelo cineasta iraniano BahmanGhobadi, o mesmo diretor do excelente “Tempo de embebedar cavalos”, filme denúncia abordando a exploração do trabalho infantil a serviço de contrabandistas na fronteira entre Irã e IraqueSerá preciso que diretores cinematográficos foquem suas câmeras mais vezes nesses simpáticos animais, captando diferenças interessantes em cada espécie; como, por exemplo, adaptação das patas à natação em uma espécie (o que, aliás, não existe nos cágados, cujas  extremidades são mesmo dedos, com unhas às vezes bastante grandes Em uma espécie, o casco é pequeno. Não servindo para defende-la da agressão de predadores.

       Mas, tenham ou não nadadeiras ou cascos grandes e fortes, as tartarugas podem ser adotadas como animais de estimação, facilmente domesticáveis. Na África e em países da Ásia (China, Índia, Japão, a população considera-as caTartaruga”, onde esta venceomo um dos animais que sustentam o universo. Algumas delas tem grande longevidade, permanecendo vivas às vezes por mais de 100 anos.Elas inspiraram obras literárias desde a época clássica, podendo ser mencionada dentre as fábulas do grego Esopo (como já mencionei) a famosa intitulada “A Lebre e a Tartaruga”, onde esta vence a corrida em competição com a lebre (muito mais veloz), colocando outras tartarugas em determinados trechos, confundindo a lebre, pensando que sua competidora já tinha chegado antes dela. Ou seja, como toda fábula, encerra com uma moral ou lição exemplar. A dessa é de que nem sempre vale o potencial físico para vencer na vida, e sim a esperteza.

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