18 de novembro de 2014

O artista que reinventa a realidade

Paulo Jorge Dumaresq



            Expressar-se por meio da arte para mostrar o melhor do ser humano que cultiva em si tem sido o ofício do artista plástico Fabio Eduardo Soares dos Santos ao longo de sua existência. O pintor que transforma o supostamente banal no belo revelou à reportagem, no Bardallo’s Comida e Arte, com voz pausada e gestos contidos, que sempre quis eternizar as coisas da vida a seu modo. Era uma necessidade de ordem orgânica. Nem mesmo o violão presenteado pela mãe o empolgou. Em pouco tempo, desmontou o instrumento. A pessoa é para o que nasce.
As primeiras manifestações eclodiram no Jardim de Infância Pinóquio do padre belga Thiago Theisen, em Igapó, onde começou colorindo os trabalhos escolares e as capas das provas. Estudar no Pinóquio foi essencial para sua formação artística e contribuiu sobremodo para que Fabio Eduardo tivesse uma infância rica em aprendizados lúdicos.
Os jogos infantis, o escotismo e os passeios na lagoa de Extremoz fizeram dele uma criança feliz. Outra pessoa responsável pela formação do artista foi a prima e assistente social, Fátima Soares. Ela incentivava Fabio levando-o para o atelier de Levi Bulhões, e o menino, aos poucos, foi tomando gosto pela arte.
Na infância, gastava o tempo confeccionando e soltando pipas. O esmero era total. Também construía pandeiros de lata de doce e inventava aquarelas de cimento sobre papel, que depois coloria com tinta de caneta esferográfica preta para imitar as gravuras dos livros de educação artística da mãe que, na época, fazia o magistério.
            De Igapó, Fabio foi morar no Alecrim, onde estudou na Escola Estadual Instituto Ary Parreiras. Nas aulas de “Educação para o trabalho”, conheceu as técnicas de pintura em vitral, talha sobre madeira, pintura sobre tecido, estamparia, pintura sobre camiseta e xilogravura. Com isso, começou a fazer ilustrações de He-Man, Esqueleto, super-heróis, anti-heróis em camisetas e vender para os colegas de turma. Vendo o potencial do pré-adolescente, um serigrafista o chamou para preencher nanquim sobre papel vegetal em seu atelier.
            Por influência dos colegas do Ary Parreiras, Fabio começou a surfar. No trajeto para a praia dos Artistas passava na avenida Campos Sales onde, entre curioso e encantado, flertava com uma escola de arte: o Atelier Central, administrado pela Secretaria de Estado da Educação e da Cultura (SEEC). Aquele ponto luminoso em Petrópolis mudou sua biografia. Os pinceis, desenhos e quadros ao alcance da vista despertaram a curiosidade do jovem.
No ping-pong da vida, trocou o Ary Parreiras pela Escola Estadual Augusto Severo, em Petrópolis. Lá, conheceu colegas que estudavam no Atelier Central e a rapaziada o levou para visitar a instituição. “Quando cheguei no Atelier, o professor Luiz Elson já me perguntou se eu queria fazer a matrícula e assistir a primeira aula. Fiz uns testes, fui aprovado e passei três anos da minha vida estudando no Atelier Central, de 85 a 88”, depõe o artista.

A venda do primeiro trabalho, um artista plástico nunca esquece. No caso de Fabio Eduardo, foram três obras na exposição de final de ano das turmas do Atelier. Influenciado pelo surf, conta que elaborou três desenhos de ondas a lápis de cor sobre papel Ingres Fabriano. Na sua opinião, o artista figurativo só será bem-sucedido no seu ofício se souber desenhar.
Indagado sobre os seus mestres nas artes plásticas natalenses, Fabio Eduardo não titubeia e cita João Natal, Jayr Peny, Luiz Elson, João Antonio, Aucides Sales e Jomar Jackson, entre outros bambas. De todos esses, foi Jayr Peny quem mais o influenciou. Conta que frequentava o atelier do artista em Mirassol e o mesmo lhe dava toques preciosos que contribuíram para a sua formação.



Passo a passo
            A necessidade de avançar na construção da carreira artística e andar com os próprios pés – sem grilhões oficiais - fez Fabio Eduardo juntar alguns amigos e criar o grupo Passo a Passo, na comunidade do Passo da Pátria. O pai do artista plástico Luiz Anísio disponibilizou um quartinho que passou a ser a sede do grupo, na beira do rio Potengi. Também integravam o grupo o fotógrafo Adrovando Claro, o artista plástico Jaelson Júlio e os poetas João Andrade e Alexandre Tavares.
            Lembra que a primeira exposição do grupo foi na galeria Criare, no Hiper Bompreço, cujo título era “Papel e Tela”, junção de artes plásticas e literatura. O grupo chegou a fazer uma exposição no Museu Assis Chateaubriand, em Campina Grande. Em Natal, o Passo a Passo mostrou seus trabalhos na Galeria Newton Navarro, Fundação Hélio Galvão, afora a citada Galeria Criare.
            A necessidade de trabalhar para suprir a pequena família – casou aos 19 anos - fez Fabio Eduardo ingressar na Oficina Viva de Venâncio Pinheiro, como arte-finalista de serigrafia. Mais três anos se passaram. Em 1989, eis que chegou o grande momento de fazer a primeira exposição individual na Galeria Câmara Cascudo. “Foram 12 trabalhos expostos, entre aquarelas, desenhos e pinturas. Vendi bem. Chico Miséria adquiriu algumas obras para vender na Galeria Hombre. Foi uma boa experiência”, ressalta. Atualmente, o artista exerce o ofício num atelier alugado na rua Vigário Bartolomeu, na Cidade Alta.
            Influenciado pelo surrealismo no início da carreira, hoje está voltado para a realidade local, trabalhando temas caros à sua infância e às tradições populares do Estado. Mas se engana quem pensa que o artista pinta a realidade nua e crua. Afirma que transforma o cotidiano em realismo mágico. Nesta vereda, aponta os artistas brasileiros Sami Mattar, Laerp Mota, Juarez Machado e Ziraldo como referências.
Fabio Eduardo não precisou de compadrio. Fez-se pelo talento. Gosta de brincar com os objetos, as figuras, as paisagens. A abastada vivência da infância revelada na brincadeira de bola, do cavalo de pau, do faroeste e no empinar da pipa foi certamente o suporte que o artista buscou/busca na sua arte. As pinceladas precisas, as cores vibrantes e o olhar enviesado sobre a realidade caracterizam seu trabalho e mostram um artista ansioso por transformar a visão careta, direcionada e conformista do mundo, propondo outro viés estético-pictórico ao apreciador de arte, como se fosse um prestidigitador. “Deus criou o mundo e o artista o transforma em mágica”, poetiza.
Eclético, concilia diversas técnicas, como a aquarela, o pastel e o lápis grafite, contudo a que mais se identifica é o óleo sobre tela. Explica que a dificuldade de vender trabalhos em outras técnicas o forçou a optar pela tinta a óleo. Nos dias de hoje – ressalva – o mercado está mais aberto e consciente para o consumo de arte.
Não é novidade que o cenário das artes plásticas mudou bastante em Natal dos anos 1980 para cá. Conforme Fabio Eduardo, nos dias de hoje ficou mais fácil para um artista iniciante expor e vender seus trabalhos, mesmo sem ter talento. Com o incremento da construção civil, que está verticalizando a cidade num ritmo acelerado, abriu-se o filão dos apartamentos decorados com trabalhos de artistas locais.
Questionado sobre uma possível concorrência entre as artes plásticas e visuais, assegura que não teme o contemporâneo.  Para ele, o que tiver qualidade se manterá no mercado. Só com o tempo o consumidor e o investidor de arte vão distinguir uma obra verdadeira de um engodo moderno de apartamento decorado.
O perfil da clientela de Fabio Eduardo não é diverso do comprador de obras pictóricas da maioria dos nossos artistas. São pessoas conhecedoras de arte, cultas e ávidas por leitura, como advogados, juízes, médicos e professores. Arquitetos nem tanto, uma vez que o foco é na parede e não na obra de arte. “Em que pese vender para outras cidades, eu adoro Natal. Não sairia daqui para nada. Natal é uma cidade que tem muito a crescer, não só do ponto de vista urbano e vertical, mas principalmente no lado cultural e artístico”, assevera.
            Por outro lado, afirma que o natalense ainda não dá o devido valor a uma obra de arte na hora de sua aquisição.  Há sempre a velha pechincha. Enquanto que em João Pessoa, por exemplo, um artista iniciante consegue dar vazão à sua produção por muitos cobres a mais que um artista natalense renomado. A respeito dos marchands, comenta que a relação é boa, inclusive o reconhecimento como um dos nomes consagrados das artes potiguares deve aos mercadores de quadros. Conforme o artista, na galeria de arte o trabalho fica mais valorizado e todos ganham. Para ele, artista não devia vender pessoalmente seus trabalhos.

Revelações
            Se a arte estabelece valores humanos como apregoam, para além das telas Fabio Eduardo acredita num mundo sem preconceito de cor, sexo, religião e condição social. Um mundo sem intolerância e vestido com a cor da paz. Na qualidade de artista, não se acha um ser “normal”, nem de perto nem de longe. Confessa que não segue regras. Considera-se um anarquista de verdade. É como se define ideologicamente. Votar em político, não vota mais. Há vários pleitos abdicou do direito de votar.
            Nascido no berço de uma família religiosa e na condição de ex-aluno do arauto da fé Thiago Theisen, não teve como escapar do batizado, primeira comunhão e crisma. Homem feito, não frequenta igreja, mas acredita em um ser superior além da nossa imaginação. Gosta de todos os santos e pinta-os à sua maneira. Acredita mesmo nas boas intenções e no altruísmo do ser humano.
            Verdadeiro nos sentimentos, o libriano Fabio Eduardo professa que odeia mentiras. Prefere a dor da verdade à dor da falsidade. O que não quer para si, também não quer para os filhos Thiago (19) e Breno (17). Com os pais, a convivência sempre foi tranquila. Rasga elogios aos genitores. Do alto de seus 42 anos e 30 de artes, considera-se um homem bem-aventurado e coerente com seus princípios de vida.

Fabio Eduardo também admira as artes marciais. Chegou a treinar capoeira, kung fu e jiu-jitsu. Indagado se queria acrescentar algo mais à entrevista, proferiu suas últimas palavras: “Não, não. Acho que falei demais”.  enviezado

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