29 de outubro de 2014

Pelos talentos de Victor Ferreira


Paulo Jorge Dumaresq

Porta aberta para o imponderável, a arte estabelece valores humanos. Os desejos da alma quando realizados trazem na conquista dose generosa de ousadia. Aspiração e arrojo movem a vida de Victor Ferreira de Lima. O ator, dramaturgo, diretor teatral e jornalista, de apenas 21 anos, é incansável na busca por novos desafios. O atual é o musical “Mamãe retrô”, que roteirizou, dirigiu, produziu e ainda encontrou tempo para atuar.
            Por sonhar e realizar seus projetos artísticos, Victor Ferreira é um ser bem-aventurado. Conta que sua felicidade sempre esteve vinculada à arte. Enquanto as crianças olhavam prosaicamente para o palhaço no circo, por exemplo, ele procurava observar todo o contexto em que o palhaço estava inserido.
Na curta e promissora carreira no teatro, pessoas cruzaram seu caminho e o ajudaram a realizar sonhos. Isto não teria sido possível sem a família que o apoiou desde o primeiro instante, incentivando-o a trilhar o bom caminho na arte teatral. No monótono domingo natalense ir ao Teatro Alberto Maranhão era sagrado. Revigorava a alma infantil. “Fui uma criança feliz e de muitos amigos. Pude brincar e fazer as coisas que gostava. Mas sempre minha maior alegria estava ligada ao teatro”, confessa.
              O ator, o dramaturgo e o diretor nasceram juntos. A necessidade de expor ideias fez de Victor Ferreira um artista completo. Na escola ou no condomínio, o importante era juntar amigos e familiares para mostrar suas experiências. No veraneio, produzia texto, ensaiava com primos e apresentava para a praia inteira. Seu processo de criação é escrever da forma que vai atuar e atuar conforme a necessidade do texto. Vale o que está escrito.
            Passada a época das apresentações caseiras, Victor decide investir na carreira. Matricula-se no Caic Esportivo de Lagoa Nova e faz o primeiro curso de teatro. Depois vai para o Centro de Formação e Pesquisa Teatral da Fundação José Augusto, onde obtém conhecimentos para seu estofo de ator. Em 2005, aos 13 anos, participa do auto “Jesus de Natal”, oportunidade em que atuou ao lado de atores experientes da cidade. O tirocínio estava garantido. O megaespetáculo ao ar livre abriu os horizontes do artista em formação.



            Ainda em 2005, publica o livro “Cordel – a literatura do sertão”. Muito embora um ser urbano, a paixão pelo cordel aflorou cedo. O fascinante mundo das métricas e rimas – e nunca dor - virou um hobby, e como sempre tiveram pessoas e instituições que acreditaram em seus projetos. A escola NEC – Pinguinho de Gente resolveu editar o livro. 
A única pausa na carreira foi para cursar Comunicação Social (jornalismo). “Hoje consigo encaixar o teatro de maneira equilibrada. Estou descobrindo que posso ser ator e jornalista ao mesmo tempo. Posso ser feliz e viver das duas coisas. Neste tempo todo eu fui aprendendo a empreender também. Trabalhar com a questão da logística. Gosto que as coisas saiam exatamente do modo que eu concebi. Eu sou feliz fazendo tudo isso”, comemora.
Dueto
Em 2009, Victor Ferreira funda a Cia. Teatral Dueto, juntamente com a cantriz Clara Menezes, apresentando o musical infantil “O fantástico reino de Felizconto”. Profissionalmente, foi a primeira experiência do artista. O espetáculo ficou em cartaz durante três anos, sendo apresentado em sessões abertas e fechadas para projeto escola.
Quem pensa que o diretor surgiu para a cena teatral com a Cia. Dueto incorre em erro. No período de três anos, foi contratado pela escola em que estudara para ministrar oficinas de iniciação teatral para crianças. O resultado disso foi um número considerável de esquetes e peças. Inclusive,  a concepção de “Mamãe retrô” surgiu numa oficina, com o nome de “Acorda, recorda”.
Alçar voos mais altos com a Dueto é o escopo de seu fundador. Embora a felicidade – conforme ele – esteja no voo em si. No musical, encontrou-se. Na vida, desasnou. “Eu pretendo fazer com que o mercado de musicais cresça em Natal. Identifico-me com o público infantil que considero muito honesto. Eu sei se uma criança gostou ou não do trabalho”, comenta. Adiante, destaca: “Outra questão é levar a família inteira para o teatro. Apenas o infantil consegue isso. A ideia é fazer com que a família se divirta e também reflita sobre as metáforas”.
Victor Ferreira também pensa no público adulto. Revelou à reportagem que começou a escrever um musical com pitadas de comédia, mas não deu muita pista. Apenas “soltou” que o tema vai girar sobre as neuroses urbanas, mal dos tempos modernos.   
 A respeito das artes cênicas em Natal, analisa que o teatro está em expansão. Novos grupos e companhias foram formados nos últimos anos e o público tem prestigiado os espetáculos de qualidade. Em sua opinião, o teatro natalense passa por uma fase de renovação e evolução.
Sem entender muito bem como funciona a política das fundações de cultura da capital e do estado, o artista confessa que não tem costume de inscrever projetos em leis de incentivo, não por orgulho, mas pela aposta na iniciativa privada. Prefere escrever a inscrever. Em linhas retas, não tem opinião formada a respeito das tais políticas culturais das fundações.
Mestres para Victor Ferreira são seus colegas de trabalho, que o ensinam e, ao mesmo tempo, aprendem com ele nos ensaios e apresentações. O compartilhamento e a troca de ideias com sua equipe são o combustível necessário para o aprendizado diário.
Se existem indícios da existência de Deus no teatro, Victor crê que seja em cada espectador atingido pela mensagem. Transformar o cidadão pelo teatro é quase uma obsessão. Para o artista, talento não é mera aptidão para uma atividade, mas é a forma que a pessoa utiliza a atividade e a forma com que o artista vai mudar a vida de outras pessoas: “Tudo caminha em conjunto. Eu não acredito que você seja um bom artista se não for uma boa pessoa. Particularmente, não sei separar as coisas”.
Palavras, palavras
            É verdade que para ser um bom escritor ou jornalista é preciso ser um ótimo leitor. Victor gosta de ler. Contudo, por culpa dos afazeres, não tem muito tempo para leitura de livros. Tenta compensar com a leitura diária de jornais na redação. O exercício diário no jornalismo moldou um repórter sensível e bem articulado, reflexo de um ser humano de escol, que faz uso das palavras para expressar sua intimidade de sentimentos e seu encantamento pela humanidade.
            Vida é luta. Batalha renhida. Sonhos, projetos e desafios são os motores do artista. Para Victor Ferreira, fazer arte é um acerto de contas com o mundo. É um modo de compartilhar as ideias e pensamentos de uma maneira poética que possa tocar e transformar as pessoas. Afirma que “funciona” mais nos momentos de pressão. A encomenda de textos/roteiros com prazo curto de entrega é música clássica para os ouvidos do escritor.
            As cores dão vida ao mundo e às artes. Na condição de esteta do teatro, Victor não descarta nenhum matiz. A sua arte é multicor como um quadro de Pollock. Cores vivas de verão misturadas aos sons que gravitam na natureza. Dessa mistura, eclode uma dramaturgia multifária e instigante. Ser normal é ser feliz. Louco – em sua concepção – é não se arriscar, não dar a cara à tapa e a vidraça ao estilingue, é não se permitir sonhar e realizar.
            Espiritualizado, o artista afiança que a religião sempre esteve presente em sua vida, muito mais na prática do que foi ensinado por Jesus do que na teoria. Para ele, a religião que mais respalda a prática do amor universal é a doutrina espírita. “Desde pequeno isso foi muito trabalhado em mim. A minha arte está ligada também às coisas nas quais acredito”, declara.
            Política partidária e governamental acompanha mais pela natureza do trabalho jornalístico. Corrupção – analisa – começa em casa. Conforme Victor, os desmandos na gestão pública são reflexos de pequenos atos cotidianos igualmente corruptos. Ele engrossa o coro das ruas pela exigência de justiça e moralidade nas três esferas de poder.
            A moral da história de vida de Victor Ferreira é o tempo todo de transformação de si mesmo e das pessoas que convivem com ele. Seja na vida familiar ou no teatro, o artista procura dar e receber das pessoas energias positivas e renováveis.             
CRÍTICA
Musical “Mamãe retrô” – Cia. Teatral Dueto
Bem que o musical “Mamãe retrô” poderia se chamar “Anos 80 em revista”, tal a fidelidade com que a Cia. Teatral Dueto dialogou com a “década perdida”. Perdida para quem sobrevivera aos desbundados anos 70. Uma época de ouro para quem nasceu ou cresceu nos anos 1980.
Imaginemos reunidos num único espetáculo um exército de personagens heterogêneo, que inclui desde A Turma do Balão Mágico, de Simony e Tob, ao desenho animado He-Man, sem esquecer a forrozeira Eliane e o ícone da lambada Beto Barbosa no Forró Classe A do América FC. Pensou que acabou? Nada disso. Adicione-se, ainda, A Turma da Xuxa, Angélica e a banda de pop-rock RPM.
Todos esses quadros e mais alguns outros receberam tratamento independente em “Mamãe retrô”. A direção imprimida por Victor Ferreira acertou o alvo. Não colocou, por exemplo, Xuxa e Angélica numa mesma cena. Mesmo com a independência dos quadros, a direção conseguiu dar unicidade ao musical, muito pelas pequenas cenas preparatórias – espécie de costura – nas quais os atores aludiam aos quadros. É importante frisar que os números musicais são de gravações originais. Opção da direção.
A singeleza do cenário foi compensada por um banho de luz. Os figurinos também não destoaram da proposta cênica. O que desafinou foi o didatismo em alguns diálogos, como citar e apontar o tênis Conga e o Redley. Ou o videogame Atari. Quase todo mundo sabe que Atari é um videogame. Em teatro, nem tudo deve ser entregue mastigadinho para o público. Se assim ocorre, vira aula. É de bom grado citar, ainda, a bala Xaxá, o boneco Falcon, a boneca Barbie, o Forte Apache, o Lego, Playmobil, walkman e o videocassette, itens obrigatórios na infância e adolescência de quem passou pelos anos 80. 
Um ponto a ser sublinhado é a coesão do elenco que apresenta Victor Ferreira (Marcio) – além de interpretar assina o roteiro e a direção -, Vanessa Laís (Jéssica, a Mamãe Retrô), a cantriz Clara Menezes e Camilla Natasha. Completam o elenco os atores Lucas Barreto, Thiago Bruno e Ranniery Sousa.
 Nascido no início dos anos 1990, Victor Ferreira não vivenciou a década que homenageou. Aliás, a homenagem é dupla em “Mamãe retrô”. Principal fonte de pesquisa para a concepção do espetáculo, a mãe Jéssica mereceu láurea do filho. Inclusive um ramalhete no final da sessão.
Conversando com o diretor, ele confirmou o que já tínhamos certeza. A intenção da Cia. Dueto é explorar o veio de musicais na cidade. “Mamãe retrô” é a prova viva do intento da trupe. Com o túnel do tempo montado no Teatro de Cultura Popular (TCP), no domingo 7 de julho, a Dueto conseguiu lotar as três sessões, mesmo com a concorrência da chuva que não deu tréguas. Yes, nós temos musical. Outros são bem-vindos.   



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