15 de julho de 2014

Sobre a PEC do trabalho escravo

Homero de Oliveira Costa. Prof. Departamento de Ciências Sociais da UFRN



            No dia 27 de maio de 2014, foi aprovada no senado a PEC (proposta de Emenda à Constituição) do trabalho escravo, depois de 15 anos de tramitação no Congresso Nacional. Entre outros aspectos, fica estabelecida a expropriação de propriedades rurais e urbanas que utilizem trabalho escravo ou análogo à escravidão. Um dos motivos principais para não votação da PEC ao longo desses anos era a resistência da expressiva e pluripartidária bancada ruralista.
            Mas, se de um lado, a aprovação da PEC no Senado foi celebrada como um avanço político e social, por outro lado, recebeu críticas de ativistas e organizações ligadas aos direitos humanos e a principal diz respeito à aplicabilidade da lei. Para que seja posta em prática, uma lei específica deve regulamentar de que forma as expropriações serão feitas, ainda falta ser votado à regulamentação da expropriação de imóvel urbano ou rural prevista na PEC.  A regulamentação está sob análise na Comissão Mista de Consolidação das Leis e Regulamentação Constitucional e deverá ainda ser votada no plenário do Senado e ainda não é a etapa final. Aprovada, a PEC voltará à Câmara dos Deputados.
             O Projeto de Lei do Senado (PLS 432/2013) elaborado pela comissão recebeu 55 emendas, das quais o relator, senador Romero Jucá (PMDB-RR), acolheu 29. E uma delas, que tem suscitado polêmicas é em relação ao conceito de trabalho escravo. Muitas emendas pretendiam incluir a jornada exaustiva e as condições degradantes na caracterização de crimes, conforme prevê o artigo 149 do Código Penal, que estabelece como crimeReduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposta”. No entanto o relator rejeitou as alterações. Para ele, “os conceitos são abertos e subjetivos, por isso não é recomendável incluí-los na lei”. Esta interpretação (e restrição) atende as reivindicações dos ruralistas, organizados na Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil, presidida pela senadora Kátia Abreu (PSD/TO), bancada sempre atenta ao trâmite da PEC no Congresso Nacional.
              Na PEC aprovada foi mantida a definição considera para a caracterização do trabalho escravo “a submissão a trabalho forçado, sob ameaça de punição, com uso de coação ou com restrição da liberdade pessoal”.  Além disso, são considerados também “a retenção no local de trabalho; a vigilância ostensiva e apropriação de documentos do trabalhador; e a restrição da locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou representante”. O relator apresentou algumas modificações, entre elas a retirada da necessidade de trânsito em julgado da ação penal como condição para a ação de expropriação, assim como a possibilidade de imóvel registrado em nome de pessoa jurídica ser expropriado.
             Outras modificações foram quanto à proibição de inscrição de acusados de exploração de trabalho escravo em cadastros públicos, antes mesmo que a ação transite em julgado e outra relativa ao destino dos bens apreendidos. No projeto original, eles iriam para um fundo específico de combate ao trabalho escravo, mas o texto aprovado estabelece que os bens apreendidos em decorrência da exploração de trabalho escravo sejam revertidos ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).
            O projeto estabelece ainda que estão sujeitos à expropriação os imóveis onde houver exploração de trabalho escravo diretamente pelo proprietário, que não poderá alegar desconhecimento da exploração de trabalho escravo por seus representantes, administradores ou dirigentes. Em caso de aluguel a responsabilidade passa a ser do locatário.
             No entanto, a proposta é bem mais ampla e depende da regulamentação e não há consenso quanto a sua votação (sequer na bancada petista). Para a senadora Ana Rita (PT/ES), por exemplo, presidenta da Comissão de Direitos Humanos do Senado, não deve haver pressa no debate. Para ela: “A regulamentação não pode significar retrocesso à PEC. E o texto, do jeito que está atualmente, significa retrocesso. Então, precisamos de um melhor debate”. Como a proposta do relator foi aprovada, caso não haja pressão e mobilização dos que se posicionam contrários à sua aprovação da forma como está, são grandes as chances de que seja aprovado o texto tal como apresentado pelo relator e nesse sentido, a definição do conceito do que deve ser trabalho escravo ou análogo é fundamental. Caso prevaleça o conceito que atenda apenas aos interesses dos empregadores – defendidos pela bancada ruralista – será um claro retrocesso à PEC original. Como disse Elizabete Flores, da Coordenação Nacional de Combate ao Trabalho Escravo da CPT (Comissão Pastoral da Terra) “seria uma forma de fazer desaparecer o trabalho escravo no Brasil pela “canetada”“. E é como esse entendimento, que a CPT busca apoios de outras entidades, como a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) para “não deixar que essa regulamentação passe”.
          Como afirma a Juiza Luciana Paula Conforti , membro da Comissão de Direitos Humanos da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho no artigo “Trabalho escravo no Brasil contemporâneo: um olhar além da restrição da liberdade”  (03/02/2014) : “O Brasil necessita evoluir com a efetiva aprovação da PEC do trabalho escravo, afastando qualquer tentativa de alteração do conceito de trabalho análogo ao de escravo, já definido de forma clara no artigo 149 do Código Penal e avançar, ainda mais, com a aprovação do Projeto de Lei 5.016/2005, que prevê o aumento da pena para os que cometem o crime”.





Nenhum comentário:

Postar um comentário