28 de abril de 2014

EM TIBAU DO SUL: os cantos dos últimos suspiros

Á aproximadamente 90 quilômetros de Natal, entre a Lagoa de Guaraíras e o Oceano Atlântico na Região do Litoral Agreste nasce uma povoação, habitada primitivamente por tribos indígenas com a denominação de Tibau, que significa região entre duas águas.

Nessa importante e histórica comunidade de uma forte resistência cultural folclórica, ainda podemos ouvir emocionantes e penosos cantos de Inselênça. Um costume introduzido no Brasil pelos negros africanos, uma tradição remanescente do ‘Itambí Africano”, registra o pesquisador Gonçalves Fernandes em “O Folclore Mágico do Nordeste”.

Inselênça é uma corruptela de Excelência, que pode também ser pronunciada inselência. Canto entoado á cabeça dos moribundos ou de mortos em velórios que vara a madrugada “fazendo quarto”, na sala onde está o defunto. Costumam se reunir beatas e cantadoras de benditos em súplica á Virgem Maria e são Benedito, santos de muito prestígio no sertão, para que recebam a alma do moribundo ou morto, dando-lhe um bom lugar no céu. Quando entoados “ante-mortis”, apelam ao moribundo para se arrepender em tempo dos pecados praticados.

Há uma diferença entre Inselênça e Bendito. O primeiro é uma súplica ao morto, o segundo é um canto de louvor ao santo.

A tradição popular entende ser uma coisa sagrada que respeita e cumpre todos os princípios do ritual, e , o não cumprimento destes é tido como agravo ou desrespeito ao santo a quem se dirige a súplica da Inselênça. Com a retirada do cadáver para o enterro, no momento em que estão cantando, as cantadeiras costumavam acompanhar o cortejo até o final. Acreditavam que se todo ritual não fosse cumprido, Nossa Senhora permaneceria de joelho, e o espírito, em função desse desrespeito não ganharia a salvação.
Luiz da Câmara Cascudo no seu Dicionário do Folclore Brasileiro, diz-nos que eram praticadas com freqüência nos Estados da Paraíba, Rio Grande do Norte e até em outros Estados do Brasil, Augusto César Pires, em Estudos Etnográficos, Filológicos e Históricos, diz que ainda é possível identificar esse ritual nas regiões do Douro e Minho em Portugal.

As Inselênças são cantadas sem acompanhamento instrumental e repetem de forma uníssona doze vezes cada canto, iniciados sempre com ‘Uma Inselênça”.... Há vários tipos de Inselências: para chuva, trovoada, tempestade, peste, vento, santos e anjos. Contudo, as mais difundidas no Rio Grande do Norte são para moribundos e mortos.

Tenho viajado muito em pesquisas por várias regiões do RN, e, esse tipo de manifestação cultural só foi encontrado em Tibau do Sul. Contudo, pode ainda existir nos grotões do Seridó e Alto Oeste, essa relíquia dos muitos fragmentos folclóricos herdados do mundo colonizador, cantado nas afinadas vozes das senhoras Biga e Noêmia, uma descoberta do pesquisador Dácio Galvão nas competentes pesquisas realizadas no país de Hélio Galvão, Seu pai. A convite de Dácio fomos a Tibau testemunhar a descoberta desta preciosidade, que logo depois foi registrado em CDs, pelo projeto Toques & Cantares, com Direção Artística e Musical do próprio Dácio Galvão. Foram documentados seis cantos de inselênças para mortos, nas vozes destas importantíssimas artistas da memória popular que em muito engrandece o País de Tibau do Sul.

Recentemente voltam a brilhar, desta vez um arranjo com três cantos, feito por Sergio Galo da Paraíba, uma releitura com o cantor e compositor Jangai, ilustrando a trilha sonora do filme As Pelejas de Ojuara.
Severino Vicente.


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