Homero de Oliveira Costa
prof. ciência política da UFRN
Na campanha eleitoral de 2002, o então candidato Luiz
Inácio Lula da Silva prometeu entre outras coisas (como acabar com a fome) fazer
uma reforma agrária no país. Um avanço considerável uma vez que o tema, por
razões óbvias, não era objetivo dos governos anteriores (ditadura militar e os
governos civis pós-ditadura). No início
do seu governo, em 2003, foi elaborado um Plano Nacional de Reforma Agrária, cujo
objetivo principal era o de iniciar um processo de desconcentração fundiária e,
tinha com uma de suas metas assentarem 400 mil famílias (30 mil em 2003, 115 em
2004, 115 em 2005 e 140 mil em 2006), regularizar a posse de trabalhadores
rurais que ocupavam terras, beneficiar 130 mil famílias com o crédito
fundiário, recuperar a capacidade produtiva e a viabilidade econômica dos
assentamentos, criação de novos postos (permanentes) de trabalho no setor,
reconhecer, demarcar e titular áreas das comunidades quilombolas e garantir o
reassentamento dos ocupantes não índios de áreas indígenas.
Um balanço da política agrária dos
dois governos Lula mostra um resultado muito aquém do planejado. O Plano
Nacional de Reforma Agrária nunca foi efetivamente cumprido e uma de suas
principais razões é que isso se confrontava com os interesses de uma grande e
sólida bancada ruralista no Congresso Nacional, muitos dos quais são da base de
apoio do governo. A política agrária teve continuidade com o governo de Dilma
Rousseff, que, no entanto, em termos de reforma agrária, fez menos do que o
governo Lula e mesmo de governos anteriores. E 2013, segundo o balanço da
Comissão Pastoral da Terra, ao analisar os “descaminhos da reforma agrária”, 2013
conseguiu ser pior do que 2012, que registrou um dos piores índices de reforma
agrária do país. O ano encerou com menos de 5 mil famílias assentadas (há no
país aproximadamente 200 mil famílias acampadas e assim o número de famílias
beneficiadas está muito longe das necessidades e demandas dos trabalhadores
rurais). Em 2012, foram 48 decretos de desapropriação publicados no final do
ano. No total, 60 fazendas em 13 Estados e destinadas a apenas 2.739 famílias.
O fato é que o número de famílias assentadas para fins de
reforma agrária vem caindo desde 2008. Na prática, a prioridade de reforma
agrária não tem passado de retórica. Em 2011, apenas 22.021 famílias
conquistaram lotes em assentamentos o que representou 51% do que Fernando
Henrique Cardoso – que nunca teve a reforma agrária como objetivo de seus dois
governos - havia feito em 1995 (42.912 famílias assentadas) e de Lula, em 2003,
que assentou 36.031 famílias.
Por que isso ocorre? Basicamente
porque os governos de Lula e agora o de Dilma Rousseff não conseguiram romper
com um modelo que legitima e contribui para a concentração de terras. Pelos dados do próprio INCRA (Sistema Nacional
de Cadastro Rural) em janeiro de 2013, havia 5,6 milhões de propriedades das
quais apenas 1,4% concentrava aproximadamente 40% do total dos imóveis rurais.
Ou seja, muita terra para pouca gente e muita gente com pouca terra.
O que tem
havido é o crescimento, desnacionalização e concentração de capitais no
agronegócio, como parte mais geral de um processo de mundialização financeira
da economia, ou seja, tanto o governo de Dilma, como os anteriores, para formar
uma base de apoio, necessita de alianças com o capital monopolista
mundializado. As empresas transnacionais, como a Monsanto, controlam os insumos
(sementes e adubos), a tecnologia e o mercado em suas áreas, fixando os preços dos produtos e,
claro, ampliando seus lucros. Como afirma Alexandre Conceição da coordenação
nacional do MST num artigo publicado no jornal O Globo em 11/2/2014 “A hegemonia de empresas transnacionais, associadas ao
capital financeiro, não apenas tem desnacionalizado a propriedade da terra e
das empresas agrícolas, como altera significativamente a configuração do meio
rural. A perversidade deste modelo chamado de “agronegócio” está no
abandono da produção de alimentos, utilizando os bens da natureza para a
produção de combustíveis e celulose. De 1990 para 2011, por exemplo, as áreas
plantadas com alimentos como o arroz, feijão, mandioca e trigo declinaram,
respectivamente, 31%, 26%, 11% e 35%. Já as áreas plantadas de cana e soja,
aumentaram 122% e 107%. O impacto disso se reflete no aumento da importação de
alimentos — nossos feijão e arroz vêm da China”.
Como disse o líder do MST João
Pedro Stédile “para cada segmento da agricultura há um grupo oligopólio das
empresas transnacionais controlando. Por exemplo, nos grãos, temos a Monsanto,
a Cargill, Bungue, Adm e Dreyfuss. No leite, temos a Nestlé, Parmalat e Danon” e
assim por diante.
Um dos problemas principais em
relação à política agrária e não realização de uma reforma agrária é que não
apenas esse, mas também os governos anteriores, ficam reféns no Congresso
Nacional de uma bancada que defende os interesses do agronegócio (ao contrário
dos que defendem os interesses dos trabalhadores, em especial, dos sem terra), e qualquer ação que contrarie os
interesses do latifúndio não tem qualquer chance de ser aprovado. Como exemplo,
podemos citar o caso da PEC 57/99. Os ruralistas mostraram sua força em relação
ao que havia sido definido na PEC sobre
o conceito de trabalho escravo. Como se sabe, a PEC foi aprovada na Câmara dos
Deputados em 2012, com apoio de diversas entidades da sociedade civil e possibilitava
a expropriação para fins de reforma agrária das propriedades rurais e urbanas
onde fossem constatadas a prática do trabalho escravo. No entanto, os ruralistas,
através de uma proposta do senador Romero Jucá retirou toda eficácia da PEC
aprovada na Câmara. Os Ruralistas
defendem que definição de escravidão inclua apenas os casos em que a submissão
se dê com base em violência física direta
Outro aspecto diz respeito ao
comportamento de parte da mídia que, aliada a esses setores ou silencia ou só
veicula notícias sobre o movimento dos sem terra para criminalizá-lo, como ocorreu
com os confrontos em Brasília no dia 12 de fevereiro, quando o MST/Via Campesina
realizava o seu VI Congresso (10 a 14 de fevereiro) com a presença de mais de
15 mil militantes. Em nenhum momento foi informado quais eram (são) as
reivindicações dos trabalhadores, o que o governo tem feito etc. e, claro, nada
sobre a concentração de terras, violência no campo etc. e sim “atos de
vandalismos” provocados por algumas (poucas) pessoas.
E foi nesse congresso – culminação de
um processo de discussões de pelo menos dois anos de discussões pelo país – que
foi aprovado um programa de reforma agrária popular, que entre outros aspectos
defende a implementação de uma nova matriz tecnológica (agroecologia) em
contraponto ao agronegócio e a necessidade de fazer urgentes mudanças na
politica agrária do governo, embora dificilmente em ano que ocorrerá eleições
presidenciais, no qual o governo pretende se reeleger, não apenas mantendo, mas
se possivelmente ampliando sua base de apoio, que inclui a influente bancada
ruralista, essa política mudará substancialmente, especialmente se depender de
decisões do Congresso Nacional.
Para João Pedro Stedile da
Coordenação do MST e da Via Campesina Brasil “A reforma agrária está bloqueada
e como consequência a concentração da propriedade de terra e o avanço do
capital sobre a agricultura aumenta”. Para ele, que apoiou o governo Dilma
desde o início, porque tinha (e tem) a consciência de que as alternativas
(viáveis) seriam (e serão) muito piores, o balanço de sua política agrária é “infelizmente
negativo”. Em 2013, por exemplo, “em termos estatísticos (...) foram
desapropriadas fazendas para apenas 4.700 famílias, que é menos do que o
general Figueiredo fez em seu último ano”. Para ele, o problema é que o governo
Dilma representa uma composição de forças que, no caso do campo, tem ampla hegemonia do agronegócio.
Como diz o documento da Comissão
Pastoral da Terra divulgado em 2013 (balanço de 2013) “A luta pela terra e pelo
território, historicamente defendida pelos movimentos sociais e necessária para
transformar verdadeiramente a estrutura fundiária e poder no país, não existe
no horizonte do Estado brasileiro. Este, por seu turno, desde sua constituição,
caminhou ao lado do latifúndio, do agronegócio e do capital. As forças
conservadoras utilizam a mídia e outros aparelhos ideológicos existentes para
anunciar a falsa ideia de que o agronegócio e o desenvolvimentismo são as
únicas possibilidades históricas para o campo brasileiro”.
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