13 de março de 2014

Dilemas da reforma agrária no Brasil

Homero de Oliveira Costa prof. ciência política da UFRN

            Na campanha eleitoral de 2002, o então candidato Luiz Inácio Lula da Silva prometeu entre outras coisas (como acabar com a fome) fazer uma reforma agrária no país. Um avanço considerável uma vez que o tema, por razões óbvias, não era objetivo dos governos anteriores (ditadura militar e os governos civis pós-ditadura).  No início do seu governo, em 2003, foi elaborado um Plano Nacional de Reforma Agrária, cujo objetivo principal era o de iniciar um processo de desconcentração fundiária e, tinha com uma de suas metas assentarem 400 mil famílias (30 mil em 2003, 115 em 2004, 115 em 2005 e 140 mil em 2006), regularizar a posse de trabalhadores rurais que ocupavam terras, beneficiar 130 mil famílias com o crédito fundiário, recuperar a capacidade produtiva e a viabilidade econômica dos assentamentos, criação de novos postos (permanentes) de trabalho no setor, reconhecer, demarcar e titular áreas das comunidades quilombolas e garantir o reassentamento dos ocupantes não índios de áreas indígenas.
             Um balanço da política agrária dos dois governos Lula mostra um resultado muito aquém do planejado. O Plano Nacional de Reforma Agrária nunca foi efetivamente cumprido e uma de suas principais razões é que isso se confrontava com os interesses de uma grande e sólida bancada ruralista no Congresso Nacional, muitos dos quais são da base de apoio do governo. A política agrária teve continuidade com o governo de Dilma Rousseff, que, no entanto, em termos de reforma agrária, fez menos do que o governo Lula e mesmo de governos anteriores. E 2013, segundo o balanço da Comissão Pastoral da Terra, ao analisar os “descaminhos da reforma agrária”, 2013 conseguiu ser pior do que 2012, que registrou um dos piores índices de reforma agrária do país. O ano encerou com menos de 5 mil famílias assentadas (há no país aproximadamente 200 mil famílias acampadas e assim o número de famílias beneficiadas está muito longe das necessidades e demandas dos trabalhadores rurais). Em 2012, foram 48 decretos de desapropriação publicados no final do ano. No total, 60 fazendas em 13 Estados e destinadas a apenas 2.739 famílias.
            O fato é que o número de famílias assentadas para fins de reforma agrária vem caindo desde 2008. Na prática, a prioridade de reforma agrária não tem passado de retórica. Em 2011, apenas 22.021 famílias conquistaram lotes em assentamentos o que representou 51% do que Fernando Henrique Cardoso – que nunca teve a reforma agrária como objetivo de seus dois governos - havia feito em 1995 (42.912 famílias assentadas) e de Lula, em 2003, que assentou 36.031 famílias.
           Por que isso ocorre? Basicamente porque os governos de Lula e agora o de Dilma Rousseff não conseguiram romper com um modelo que legitima e contribui para a concentração de terras.  Pelos dados do próprio INCRA (Sistema Nacional de Cadastro Rural) em janeiro de 2013, havia 5,6 milhões de propriedades das quais apenas 1,4% concentrava aproximadamente 40% do total dos imóveis rurais. Ou seja, muita terra para pouca gente e muita gente com pouca terra.

           O que tem havido é o crescimento, desnacionalização e concentração de capitais no agronegócio, como parte mais geral de um processo de mundialização financeira da economia, ou seja, tanto o governo de Dilma, como os anteriores, para formar uma base de apoio, necessita de alianças com o capital monopolista mundializado. As empresas transnacionais, como a Monsanto, controlam os insumos (sementes e adubos), a tecnologia e o mercado em suas áreas, fixando os preços dos produtos e, claro, ampliando seus lucros. Como afirma Alexandre Conceição da coordenação nacional do MST num artigo publicado no jornal O Globo em 11/2/2014 “A hegemonia de empresas transnacionais, associadas ao capital financeiro, não apenas tem desnacionalizado a propriedade da terra e das empresas agrícolas, como altera significativamente a configuração do meio rural. A perversidade deste modelo chamado de “agronegócio” está no abandono da produção de alimentos, utilizando os bens da natureza para a produção de combustíveis e celulose. De 1990 para 2011, por exemplo, as áreas plantadas com alimentos como o arroz, feijão, mandioca e trigo declinaram, respectivamente, 31%, 26%, 11% e 35%. Já as áreas plantadas de cana e soja, aumentaram 122% e 107%. O impacto disso se reflete no aumento da importação de alimentos — nossos feijão e arroz vêm da China”.

               Como disse o líder do MST João Pedro Stédile “para cada segmento da agricultura há um grupo oligopólio das empresas transnacionais controlando. Por exemplo, nos grãos, temos a Monsanto, a Cargill, Bungue, Adm e Dreyfuss. No leite, temos a Nestlé, Parmalat e Danon” e assim por diante.
               Um dos problemas principais em relação à política agrária e não realização de uma reforma agrária é que não apenas esse, mas também os governos anteriores, ficam reféns no Congresso Nacional de uma bancada que defende os interesses do agronegócio (ao contrário dos que defendem os interesses dos trabalhadores, em especial, dos sem terra), e qualquer ação que contrarie os interesses do latifúndio não tem qualquer chance de ser aprovado. Como exemplo, podemos citar o caso da PEC 57/99. Os ruralistas mostraram sua força em relação ao que havia sido definido na PEC  sobre o conceito de trabalho escravo. Como se sabe, a PEC foi aprovada na Câmara dos Deputados em 2012, com apoio de diversas entidades da sociedade civil e possibilitava a expropriação para fins de reforma agrária das propriedades rurais e urbanas onde fossem constatadas a prática do trabalho escravo. No entanto, os ruralistas, através de uma proposta do senador Romero Jucá retirou toda eficácia da PEC aprovada na Câmara.  Os Ruralistas defendem que definição de escravidão inclua apenas os casos em que a submissão se dê com base em violência física direta
                 Outro aspecto diz respeito ao comportamento de parte da mídia que, aliada a esses setores ou silencia ou só veicula notícias sobre o movimento dos sem terra para criminalizá-lo, como ocorreu com os confrontos em Brasília no dia 12 de fevereiro, quando o MST/Via Campesina realizava o seu VI Congresso (10 a 14 de fevereiro) com a presença de mais de 15 mil militantes. Em nenhum momento foi informado quais eram (são) as reivindicações dos trabalhadores, o que o governo tem feito etc. e, claro, nada sobre a concentração de terras, violência no campo etc. e sim “atos de vandalismos” provocados por algumas (poucas) pessoas.
        E foi nesse congresso – culminação de um processo de discussões de pelo menos dois anos de discussões pelo país – que foi aprovado um programa de reforma agrária popular, que entre outros aspectos defende a implementação de uma nova matriz tecnológica (agroecologia) em contraponto ao agronegócio e a necessidade de fazer urgentes mudanças na politica agrária do governo, embora dificilmente em ano que ocorrerá eleições presidenciais, no qual o governo pretende se reeleger, não apenas mantendo, mas se possivelmente ampliando sua base de apoio, que inclui a influente bancada ruralista, essa política mudará substancialmente, especialmente se depender de decisões do Congresso Nacional.
                Para João Pedro Stedile da Coordenação do MST e da Via Campesina Brasil “A reforma agrária está bloqueada e como consequência a concentração da propriedade de terra e o avanço do capital sobre a agricultura aumenta”. Para ele, que apoiou o governo Dilma desde o início, porque tinha (e tem) a consciência de que as alternativas (viáveis) seriam (e serão) muito piores, o balanço de sua política agrária é “infelizmente negativo”. Em 2013, por exemplo, “em termos estatísticos (...) foram desapropriadas fazendas para apenas 4.700 famílias, que é menos do que o general Figueiredo fez em seu último ano”. Para ele, o problema é que o governo Dilma representa uma composição de forças que, no caso do campo, tem ampla  hegemonia do agronegócio.
               Como diz o documento da Comissão Pastoral da Terra divulgado em 2013 (balanço de 2013) “A luta pela terra e pelo território, historicamente defendida pelos movimentos sociais e necessária para transformar verdadeiramente a estrutura fundiária e poder no país, não existe no horizonte do Estado brasileiro. Este, por seu turno, desde sua constituição, caminhou ao lado do latifúndio, do agronegócio e do capital. As forças conservadoras utilizam a mídia e outros aparelhos ideológicos existentes para anunciar a falsa ideia de que o agronegócio e o desenvolvimentismo são as únicas possibilidades históricas para o campo brasileiro”.

      Os trabalhadores rurais, reunidos em Brasília entre os 10 e 14 de fevereiro de 2014, mostraram que há outro caminho, que há alternativas a esse modelo, que é o de uma reforma agrária popular, que inverta as prioridades: em vez do agronegócio, a agroecologia e em defesa do meio ambiente e dos trabalhadores rurais. Uma Reforma Agrária Popular que, como diz seu documento consiste na democratização da terra, priorizando a produção de alimentos saudáveis, através da agroecologia, que possa garantir como disse Alexandre Conceição “direitos básicos, como saúde, educação, acesso a tecnologias, cultura e lazer a toda a população do campo”.

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