19 de junho de 2013

A fidelidade partidária e o PL 4470/12.


Homero de Oliveira Costa, professor de ciência política da UFRN



                     No dia 23 de abril, a Câmara dos Deputados aprovou, por 188 votos a favor e 74 contra, um polêmico Projeto de Lei  n. 4470/2012 de iniciativa do dep. Edinho Araújo (PMDB-SP). No dia 24 o PL foi remetido ao Senado e  senadores favoráveis ao projeto tentou aprová-lo, no mesmo dia, em regime de urgência, ou seja, se aprovado,  não precisaria passar por comissões para ser votado em plenário. A proposta foi rejeitada e pouco depois, o Ministro do STF, Gilmar Mendes, numa decisão provisória, até ser examinada pelo plenário do Supremo, concedeu  liminar a um Mandado de  Segurança do senador Rodrigo Rollemberg (PSB-DF) e suspendeu a tramitação do PL no Senado. Para o Ministro o projeto foi aprovado com “extrema velocidade de tramitação” (tanto quanto a rapidez da concessão da liminar, diga-se de passagem) e para o deputado autor do projeto a decisão do STF, de suspender a tramitação de proposta do legislativo é “uma intromissão indevida do Judiciário nos processos do Legislativo”.
                  O que diz o projeto, que gerou tanta polêmica? Fundamentalmente que os parlamentares que saírem dos partidos não levam o tempo de radio e televisão, nem os recursos do Fundo Partidário (distribuídos em função da composição das bancadas) para os partidos a que se filiarem.
                  Esse PL foi interpretado por alguns como “casuístico” e de interesse do governo em inviabilizar ou dificultar as candidaturas de Eduardo Campos (PSB-PE) e Marina Silva (Rede Sustentabilidade). Não por acaso, o mandado de segurança foi iniciativa de um senador do PSB e a decisão do Ministro, de suspender a tramitação no Senado, elogiada por Marina Silva.  Bem, me parece que não foi tão “casuístico” como acusado, porque foi apresentado em setembro de 2012 (no auge das notícias sobre escândalos de negociatas envolvendo a criação de novos partidos) e aprovado pela comissão de Constituição e Justiça da Câmara (composta por parlamentares de vários partidos) e nem de interesse apenas do governo, uma vez que o DEM votou integralmente a favor (teve 15 votos dos deputados presentes) e o voto contrário do PSB (que até o momento, ainda integra a base governista).
                  Um dos aspectos possíveis de análise nesse episódio é quanto ao papel do STF, enquanto intérprete das Normas Constitucionais. Nas palavras do Ministro Gilmar Mendes, o STF pode analisar questões internas do Congresso em casos de “flagrante desrespeito ao devido processo legislativo ou aos direitos e garantias fundamentais”.  A questão é, onde houve esse desrespeito e especialmente onde está a autonomia dos Poderes?  Pode um Ministro, numa decisão isolada, impedir a tramitação de um projeto votado por 262 representantes do povo e que havia sido aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara?  Poder pode, como se viu, mas não é uma interferência em outro Poder?  Como disse o cientista político Fernando Limongi (USP) em artigo no jornal Valor Econômico “As decisões emanadas do Poder Judiciário têm sido tão ou mais “casuísticas” do que as do Congresso Nacional; todas, sem exceção, prenhes de efeitos imediatos para a disputa político-partidária. Não há isenção neste tipo de questão. Tampouco é possível argumentar em nome do fortalecimento da democracia ou coisa do gênero. Qualquer decisão tomada favorecerá alguns partidos e prejudicará outros”. Para ele “As intervenções do Supremo no terreno da legislação eleitoral e partidária carecem de coerência”.  E conclui afirmando que “O supremo, por paradoxal que possa parecer, tem sido fonte de instabilidade”.
                      Uma das questões centrais do PL diz respeito ao tempo de horário gratuito de propaganda eleitoral. Como se sabe, o tempo conferido a cada partido é proporcional à sua bancada na Câmara dos Deputados.  Atualmente 2/3 do tempo é dividido com base no tamanho da bancadas e 1/3 dividido entre todos os partidos com registro no TSE. O PL propõe uma alteração que atinge os partidos sem representação no Congresso Nacional, reduzindo para 1/9 e na prática também revoga uma decisão do STF (que, como se sabe, impôs a fidelidade partidária) que autorizou o PSD do então prefeito de São Paulo Gilberto Kassab a levar o tempo de radio e televisão, além dos recursos do Fundo Partidário.  Nesse sentido, um entendimento possível é que o PL aprovado na Câmara é uma reação ao casuísmo do próprio STF, em especial em relação ao PSD, contradizendo uma decisão anterior.
                     O PL, é importante salientar, não impede a formação de partidos e sim estabelece regras mais rígidas para evitar o tradicional “troca-troca” partidário, ao sabor das conveniências dos parlamentares e dos partidos.  O PL permite a fusão ou incorporação de partidos. No caso, como diz o projeto “Havendo fusão ou incorporação, devem ser somados exclusivamente os votos dos partidos fundidos ou incorporados obtidos na última eleição geral para a Câmara dos deputados, para efeito da distribuição dos recursos do Fundo Partidário e do acesso gratuito ao radio e à televisão”. O PL também mantém as regras da distribuição dos recursos partidários, ou seja, 5% serão destacados para entrega, em partes iguais, a todos os partidos que tenham seus estatutos registrados no Tribunal Superior Eleitoral e 95% serão distribuídos aos partidos na proporção dos votos obtidos na última eleição geral para a Câmara dos Deputados. E tanto em relação ao tempo de rádio e televisão quanto aos recursos do fundo partidário serão “desconsideradas as mudanças de filiação partidária em quaisquer hipóteses”.
                      Na realidade, o PL apresentado pelo deputado aprofunda a fidelidade partidária, aprovada pelo STF, de que o mandato pertence ao partido e a não ao parlamentar, portanto, ao sair do partido, o parlamentar não “leva” o tempo de radio e televisão, nem recursos do fundo partidário para outro partido. O PL estabelece regras mais rígidas justamente quando se aproximam as eleições do próximo ano e o prazo final de alterações  das “regras do jogo”(um ano antes das eleições) quando  abre-se a temporada de negociações  que como se sabe,  não são nem ideológicas nem programáticas, visando as eleições. O que pretende é disciplinar o tradicional “troca-troca” partidário, tão comum na politica partidária brasileira, pelo menos até a instituição da fidelidade partidária.

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