3 de maio de 2013

Emboladas: faz parte da cultura do Nordeste



EURÍCLEDES FORMIGA

Toda Feira Nordestina é uma colorida e pitoresca exposição, heterogênea em seus elementos de sabor local, principalmente nas mostras abertas de seu artesanato de cerâmica, cestos, flandres, rendas etc., rudes e maravilhosos resultados de talento dos artistas do sertão, cangaceiros, beatos e cantadores. Tornou-se famosa a feira de Caruaru, ainda mais depois do baião divulgado por Luiz Gonzaga, que não omite os mínimos detalhes daquele espetáculo folclórico do interior pernambucano.
Todavia, uma das atrações mais fascinantes da feira do Nordeste é, sem dúvida, o encontro de dois emboladores, empunhando o pandeiro ou o ganzá (instrumentos de flandre, cheio de caroços de chumbo), desfiando suas rimas com a rapidez de um raio ao calor do desafio, numa autêntica justa sonora, duelo de raposo dos caboclos que aumenta de entusiasmo quanto mais aguçados são os toques de provocação partidos de cada um dos contendores.A paga é feita pelos circunstantes, que são elogiados ou satirizados conforme a reação ante os apelos feitos pelo embolador, quase sempre estendendo o pandeiro emborcado em evidente cobrança aos espectadores.
O gênero é simples e independente de qualquer composição preestabelecida quanto ao número e disposição dos versos. Há apenas um estribilho, que é repetido com intervalo maior ou menor por um dos cantadores, enquanto o outro improvisa. O metro é setissilábico e a redondilha maior; aliás, o mais comum mesmo entre os cantadores de viola, espetáculo à parte, que já obedece a modalidades diversas e que não é assunto no momento. Já se disse que o povo de língua portuguesa fala habitualmente em redondilha maior:
Senhor doutor delegado
Vim aqui pra lhe dizer
Que meu vizinho do lado...
E por aí afora, falante rimador

Entre os mais conhecidos emboladores, merece citação especial o Tira-Teima, mulato alagoano, dono da extraordinária agilidade mental, hoje radicado em Brasília. Costuma denominar-se de serpente alagoana e afirma quando canta:

Eu tenho tanto repente
Que as vezes me faço doente
Com preguiça de cantar
Declara com segurança (e todo repentista que se preza faz questão de ter realizado tal proeza) que, certa ocasião, enfrentou o diabo numa peleja, o qual lhe surgiu na forma de uma negra:
Num instante eu conheci
Que aquela negra era o cão
O pandeiro caiu da mão
E fez pelo sinal


Apesar de apregoar seu indiscutível valor, com a empáfia natural dos grandes emboladores, não esquece um desafio que teve com um tal cego João Galdino, que silenciou com um repente magistral:
Lá vem o touro ô Iaiá
Com as pontas de ouro
Cavando areia no mar
Sabiá da mata
Voou avoou
O dia vinha raiando
Via o sabiá cantando
Nos pés do Nosso senhor
A sulanda no meu deu
Ô sulanda não me dar
Ô sulanda
Não há, porém, necessidade de ir ao Nordeste para assistir desafio de embolada. Na Guanabara, na feira de São Cristóvão, é comum aparecer uma dupla de repentistas do gênero; também em São Paulo, nas imediações do largo da Concórdia, diariamente se encontram improvisadores, com seu pandeiro e seu ganzá, os alagoanos Januário e Guriatã de Coqueiro. É justo lembrar aqui que a embolada tornou famoso, nos meios radiofônicos, o pernambucano Manuelzinho Araújo, hoje artista plástico, que trocou o ganzá pelo pincel, sem contudo perder o sabor primitivo do seu talento. Deve-se a ele a divulgação dessa modalidade de cantoria popular nas camadas fora da ambiência sertaneja.

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