19 de dezembro de 2012

A deserção das urnas


Homero de Oliveira Costa prof. de Ciência Política da UFRN

            A atual crise no senado, embora seja, em parte, uma crise interna, de gestão administrativa, expressa a meu ver, uma crise que é muito mais ampla: trata-se da própria representação política, que não é específica nem do senado, nem do Brasil, mas, a meu ver, das instituições legislativas. A pergunta importante a fazer quando se trata de discutir representação política é: Afinal, a quem representa os representantes?
            Para exemplificar essa crise de representação política, expressa entre outros aspectos, na descrença nas instituições representativas, creio que os resultados recentes das eleições para o Parlamento Europeu – no qual estão representados muitos países de larga tradição democrática- mostram que a crise é mais ampla.
           E um dos aspectos relevantes dessa crise de representação são os altos índices de abstenção eleitoral. Considere-se a importância do Parlamento Europeu (criado em l979, com sede em Estrasburgo, na França), que é constituído por 785 deputados, eleitos por sufrágio universal, com mandato de 5 anos, representando 27 países e aproximadamente 500 milhões de pessoas (e 375 milhões de eleitores).  A composição é proporcional à população. O país de maior representação é a Alemanha, com 99 deputados e o menor é Malta, com 5 representantes.    
            O Parlamento, que  se organiza em grupos políticos e não por nacionalidade,  tem atribuições importantes, como àquelas relativas a assuntos econômicos e monetários, adesão de novos países à União Européia, emprego,  leis de defesa do consumidor, proteção ambiental, direitos civis, problemas climáticos, imigração etc. e toma decisões que afetam a vida de milhões de pessoas (ex. aprovação de legislação européia a ser adotada, aprovação do orçamento anual da União Européia etc.).
            Pois bem, o resultado da eleição evidenciou algo que vem ocorrendo desde os anos 1990 (e não apenas para o Parlamento Europeu, mas nas eleições em países europeus de uma maneira geral, com exceção dos que tem voto obrigatório): a diminuição da participação eleitoral. Nas eleições que ocorreram entre os dias 4 e 7 de junho deste ano, a abstenção foi de quase 60% do eleitorado.
            Nas eleições anteriores (mandato para os anos de 2004-2009), como mostrou Lucas Pizuti no artigo “Resultado das eleições européias: abstenção e desconfiança” o resultado mais importante desta eleição foi à abstenção. Segundo o autor, a exemplo do que ocorreu recentemente, também cerca de 60% dos eleitores aptos a votar, se abstiveram (fora os votos nulos e brancos). Esses índices foram maiores especialmente nos “novos países recém-integrados do Leste”, como a Polônia e Eslováquia, por exemplo, que foram em torno de 80%.
            Nas eleições deste ano (2009) segundo Alain Garrigou (prof. de ciência política da Universidade de Paris Quest-Nanterre) em artigo no jornal Le Monde Diplomatique (julho de 2009), chamado sugestivamente de “Eleições vazias”, o índice de abstenção foi mais uma vez, muito alto: atingiu 80,4% na Eslováquia, 75,5% na Polônia, 71,6% na Romênia, 59,5% na França e 56,7% na Alemanha (isso sem considerar os votos brancos e nulos). A Bélgica, por ter voto obrigatório, foi o país que teve maior índice de participação (90,1%), mas em compensação, outros países não atingiram o índice de 20% de participação eleitoral.
            Para Garrigou “Na Europa em geral, o movimento de desafeição pelo exercício de votar está numa ascendente: atingiu 38% dos eleitores europeus em l979; 41% em l984; 41,5% em l989; 43,3% em l994; 50,5% em l999; 54,6% em 2004 e 56,8% em 2009”.
            Se antes, como diz o autor, o sufrágio universal durante muito tempo foi uma instituição que mobilizou os cidadãos “porque acreditavam no seu valor moral e prático”, no qual os representantes tinham grande credibilidade “pensando nas grandes decisões políticas”, essa impressão, afirma, hoje parece ilusória para muitos. Há uma grande descrença nas instituições legislativas e, portanto, na representação política.
             Assim, a continuar essa “desafeição pelo exercício de votar” – e creio que crises como a que está passando o senado brasileiro pode ampliar a descrença, desenha-se, como diz Garrigou “um futuro de regimes democráticos sem eleitores...”.
           

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