26 de julho de 2017

TIA CHICA



                                     Bené Chaves

                   Meu pai nasceu no alto sertão, em um lugarejo chamado Ferrões. Desde cedo começou a trabalhar no cabo da enxada, como se dizia. Criou calo nas mãos. E andava não sei quantos quilômetros a pé para alcançar o grupo escolar do município próximo. Porém, foi praticamente um autodidata.
                   Andou depois por esse mundo afora, desambientado e desprovido. De aldeolas e cidades... E de tudo sentiu e viu, desde terrenos incultos onde medram plantas agrestes, como o mandacaru, a oiticica, o cajueiro-bravo, o xiquexique. Lá nos cafundós-do-judas!
                   Portanto, passado esse período de indecisões e privações, conheceria minha mãe em Gupiara. Atrelou-se ali talvez pelas coincidências e circunstâncias da vida. Ou atraído pela lenda dos diamantes que inventariavam no lugarejo.
                   E depois de alguns meses de ter arrumado os trapos com sua mulher, decidiu contratar uma boa cozinheira para a culinária. O estado de minha mãe, lógico, facilitou, pois aquela barriga não parava de encher. Evidente que sim...
                   Chegou, então, Tia Chica, uma velha gordona, retinta. Diziam que suas mãos eram de ouro. Perto do fogão, a preta era o cão. No bom sentido, óbvio. E o cheiro de sua comida atraía e embriagava o quarteirão inteiro.
                  Acho até que meu pai deve ter se arrependido, pois seria quase certo que ele iria engordar quilos e mais quilos. E sua mulher, ah!, nem se fala, aí sim, deveria ficar igual a um balão. Aquele aroma enfeitiçava qualquer um. Parecia magia.
                   Tia Chica jurou pra meu pai que conheceu a pessoa que explorou aqueles diamantes. Pela alma de minha mãe, dizia ela, cobrindo os cabelos esvoaçados e com aquele enorme cachimbo no canto da boca. Caíram-lhe pedras do bolso, pode acreditar. Inclusive cheguei a juntar algumas, porém o cretino foi rápido e sumiu, arrebentando-as de minhas mãos, completou um pouco furiosa.
                   (Ah, quantas saudades daquelas iguarias! Agora mesmo, enquanto escrevinho aqui, ‘sinto’ o cheiro da comida esmerada pelas mãos de fada da preta velha).
                   Assim era a verdade de Tia Chica. Assim falava e jurava. Mas, podia ser também apenas a lenda e o anedotário de Gupiara.
                   Era. Não era. Parecia ser. Não ser. Era não. Parecia não ser.        






Nenhum comentário:

Postar um comentário