Anchieta Fernandes
O biólogo francês Edmond Rostand escreveu certa vez:
“À noite é mais belo acreditar na luz.” Em cada Noite de Natal, podemos tentar
fazer uma reflexão para acreditar e compreender: o que é a luz de um autêntico
Natal. Comemorá-lo não é ganhar ou dar presentes incorporados em coisas
materiais. É dar o presente espiritual da luz de uma criança, da luz trazida
pelo Menino Jesus desde a humilde estrebaria onde nasceu, naquela noite de 24
de dezembro, em Belém, na Judéia (atualmente, área da Cisjordânia), há mais de
dois mil anos. Dezembro é a luz do sol veranico e a luz interior.
Se o genial músico pop John Lennon foi assassinado
num mês de dezembro (08/12/1980), o foi não propriamente por um fã cheio da luz
que emana das canções dos Beatles, mas sim por alguém cheio dos mais escuros
dos pensamentos. Naquele vídeo clássico, em que Lennon canta “Imagine” (da
letra: “imagine todas as pessoas/vivendo a vida em paz/sem a necessidade de
ganância ou fome/uma irmandade dos homens”), e Yoko Ono começa a abrir portas e
paredes de vidro para a luz entrar, tudo só podia terminar na bela cena, o
beijo de amor e paz trocado pelo casal revolucionário.
O significado, a luz do autêntico Natal não está em
ceias com bebedeiras, degustação da carne sacrificada de animais (principalmente,
perus), ou a falsidade da troca de presentes do “amigo secreto” (“amigos” estes
que no dia-a-dia vivem trocando farpas ou se agredindo).Outra coisa: também não
está na pose caritativa uma vez por ano. Crianças e adultos carentes e
excluídos dos banquetes comuns aos palacetes dos ricos todos os dias do ano,
precisam de presentes e atenção todos os dias do ano. É necessário que se
visite as noites dos famintos, dos doentes, dos drogados, e até mesmo dos que
cometeram crimes em instantes de fraqueza.
Não é criticável o hábito das prefeituras das
grandes cidades, decorando ruas e praças, no período natalino, com milhares de
luzes. Diante de tantas dificuldades de vida de alguns dos seus habitantes, a
palavra de Deus e seu ato mandando que “exista a luz” são motivos de um
pouquinho de alegria. Deus iluminou com sol, lua e estrelas sua cidade cósmica,
separando a luz das trevas e dando mobilidade à vida; assim como a Estrela
itinerante guiou os Magos até à gruta onde estava o Menino Jesus recém-nascido,
também visitado por pastores de ovelhas.
A luz é comunicação. O imperador francês Napoleão,
já estabelecera um telégrafo luminoso. Através de um código, as mensagens eram
emitidas como “piscadelas” de luz. A ciência e a tecnologia avançaram, desde
Napoleão, até á invenção do raio laser, em 1960, pelo físico americano Theodor
Harold Maiman. O raio laser, como fonte de luz, veio a permitir através de
reguladores da intensidade da luz, que os seus feixes de luz funcionem como
canais de comunicação, levando sinais sonoros e visuais (televisão, por
exemplo) à grande distância. Esta inteligência humana será um sopro divino?
Que a luz natalina venha sempre. A sua
comunicaçãopode ser de várias maneiras. Antigamente, eram as lapinhas e os
reisados, boi calemba, nau catarineta etc. Câmara Cascudo, no “Dicionário do
Folclore Brasileiro” relembra, falando sobre o Natal: “É a maior festa popular
do Brasil, determinando um verdadeiro ciclo, com bailados, autos tradicionais,
bailes, alimentos típicos, reuniões etc. De meados de dezembro até Sai de Reis,
6 de janeiro, uma série de festas ocorre por todo o Brasil, especialmente pelo
interior, onde a tradição é mais viva e sensível. Para aguardar-se a missa do
galo, há todos esses divertimentos.”
Em seu artigo “O Natal no folclore brasileiro”,
publicado no jornal natalense “A República”, a 25 de dezembro de 1985, Julieta
de Andrade, então Diretora do Museu do Folclore de São Paulo, escreveu sobre o
que é o Natal: “A nível de cultura, é a festa das luzes. Das luzes que
admiramos nas ruas e praças, nas velas e lamparinas de azeite à frente dos
presépios domésticos, nas simbólicas bolas coloridas dos pinheirinhos
enfeitados. Acima de tudo, é a festa da luz interior que passa a iluminar a
mente e o coração dos adultos, tornando a todos mais ternos.” Como se constata,
o tema das luzes volta sempre nas referências às festas natalinas.
Por exemplo, o Natal comemorado na cidade gaúcha de
Gramado, um dos que mais atraem turistas do Brasil e de outras partes do mundo,
é chamado “Natal Luz”, com espetáculos deslumbrantes como o show “Natalis”,
onde o locutor de televisão Cid Moreira narra a história da celebração do
nascimento de Jesus Cristo (o Dia do Natal foi fixado em 25 de dezembro, no
século IV, pelo papa Júlio I), acompanhado de efeitos sonoros e luminosos,
inclusive águas dançantes e fogos sincronizados. Tem também a árvore cantante,
onde um coral de crianças deixa emocionados os visitantes, a contemplarem
também belas coreografias.
Derivado das dramatizações ocorrentes nas lapinhas e
pastoris, desde o século XVI, onde se representava com pessoas ao vivo as cenas
do presépio (chegada dos pastores, que tinham sido avisados pelo anjo da Boa
Nova, que era o nascimento de “um Salvador, que é o Menino”; e também a chegada
dos Magos do Oriente), tem havido, ao longo da história da comemoração do
Natal, os autos natalinos. São peças de teatro, com temas do devocionário
religioso, mas também recheadas de assuntos leigos, que tem importância na
produção e divulgação cultural. São escritas por intelectuais conhecidos.
Por exemplo, o teatro português começou com Gil
Vicente, poeta e dramaturgo que, influenciado pela écloga salmantina (Juan
delEncina e Lucas Fernandez), escreveu alguns autos, inclusive o “Auto dos Reis
Magos” (1510). Já o beato José de Anchieta, embora também um estrangeiro de
nascimento (nascido em Tenerife, nas Ilhas Canárias, portuguesas), é
considerado o fundador da literatura brasileira, tendo escrito poemas e autos
em terra brasileira, para atrair os indígenasà conversão ao catolicismo. Dentre
estes autos que ele escreveu, alguns tinham como tema o Natal.
No século passado, destacou-se um brasileiro, o
monge beneditino Dom Marcos Barbosa, que a partir de 1940 uma série de peças e
autos de Natal, que tentavam restaurar, com sua ideologia cristã, o espírito do
velho Natal brasileiro de influência lusitana, com suas lapinhas e pastoris.
Estes autos foram publicados em livro, em 1959, pela Editora Agir. São autos
que não tiveram apenas uma intenção ideológica (exaltar o cristianismo);
tiveram também a intenção de renovar a linguagem e a estrutura dos autos
religiosos. Sem desviar a essência da simplicidade comunicacional.
Por exemplo, no auto “O Anjo e o Asno”, os efeitos
onomatopaicos, quase paraconcretos, de uma forma bem eficaz ligando ao nome do
personagem bíblico referendado o som dos sinos: “como ao asno de Balaão, eu sou
o anjo dos sinos, ba-la-ão, ba-la-ão.” Dom Marcos conseguiu fazer tanto teatro
natalino de reflexão para adultos (v. “A Terceira Mensagem”), como o teatro
natalino de forma lúdica, endereçado a crianças (v. “Carneirinho, Carneirão”,
utilizando inclusive o elemento tradicional folclórico das cantigas de roda).
São autos de poucos recursos técnicos, mas bastantecomunicativos pela
simplicidade.
Não é como atualmente, onde cada auto natalino é
apresentado em forma de show, implicando no texto as idiossincrasias
filosóficas e psicológicas de cada autor, e no visual das encenações a
parafernália de objetos e decorações à oferta nas lojas. Salva-se, no entanto,
o tempero musical, pois música é fluidez e comunicabilidade imediata, e quando
Jubileu Filho e Mirabô Dantas compuseram para o auto natalino “Jesus de Natal”,
produzido pela Capitania das Artes em dezembro de 2005, com texto de Moacy
Cirne, a trilha musical, deram ao público o presente da beleza sonora.
Isso também foi o acender da luz interior,
necessária a cada Noite de Natal. Atentando-se bem para o significado da
palavra “noite” além de ser o tempo em que o sol está abaixo do horizonte
(escuridão, trevas, ignorância, tristeza), pode-se transferir este significado
para uma semântica geral de certas circunstâncias da vida contemporânea
(egoísmos, guerras, bulling escolar, desrespeito aos idosos, maltrato aos
animais, criancinhas abandonadas, famintas e feridas cercadas de moscas em
países da África. A luz do Natal precisa chegar até estas cenas, fazendo vê-las
quem pode solucionar.
O verdadeiro cristão não deve se iludir com a falsa
roupa vermelha e protetora contra o frio, dos papais-noéis dos shoppings. Em
dezembro, nós temos mais calor que frio. O mito Papai Noel, baseado na figura
do santo turco Nicolau, bispo de Mira (na Ásia Menor), que gostava de dar
presentes inverteu atualmente a destinação de quem dá ou recebe presentes. O
Papai Noel dos shoppings não dá presentes mas recebe o presente financeiro,
aliás crescendo, pois quanto mais crescer o número de crianças que sentam no
seu colo para tirar fotografia, mais cresce o bolo do dinheiro do seu contrato
Levar os filhos a tirar a foto no colo do Papai Noel
não é um gesto de luz. Apontar a câmera fotográfica do celular para fotografar
a falsa neve que circunda as árvores de natal dos shoppings, também não é um
gesto de luz. A luz e as cores de Deus estão no arco-íris e no coração generoso
de quem pensa o Natal como um dia-a-dia do ano todo. Faça-se propósitos de se
encontrar a felicidade em cada ano que se inicia no deixar, com gestos de
bondade, o selo da verdadeira felicidade. Deixando-o na vida de cada
pobrezinho, de cada vítima de assaltos ou de balas perdidas, de cada deficiente
físico, de cada injustiçado.
Boa comemoração do Natal, seria presépios ao vivo,
pessoas posando como as figurinhas singelas de uma linda noite bíblica, homens
como José, mulheres como Maria, e algumas criancinhas-bebês como o Menino
Jesus. Em pequenas comunidades, este presépio poderia desfilar pelas ruas, com
presentes necessários, alimentos, roupas, material escolar, remédios,
brinquedinhos simples mas bonitos, e até envelopes com certa quantidade de
dinheiro – naquelas casas de pessoas de pé no chão, como nas escolas de Djalma
Maranhão. E então a noite seria realmente a Noite Feliz, Noite de Paz, Noite de
Luz!
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