5 de agosto de 2014

Um conto das Minhas e uma Noites

Por Josemária Patrício

Quase toda criança povoa sua cabeça com a imensa curiosidade e vontade de conhecer terras distantes enquanto alguns adultos planejam visitar seus colonizadores. Uns sonham com a Europa (os mais “civilizados”), outros com as Américas menos abençoadas (os nativos) e, os mais românticos (embrionários anarquistas), com o Oriente encantador. Foi o que comigo aconteceu. E desses sonhos, geralmente fica um símbolo, como por exemplo, da Inglaterra, a rainha, para citar mais corriqueiramente. Do oriente, precisamente da Índia, ficou para mim o que a Metro Goldwim-Mayer legou, ou seja, os mercados públicos com seus faquires e encantadores de serpentes.

                                                Fascinação seria pouco para descrever o meu interesse a respeito. Tanto é que, a normal repugnância que se tem por esse tipo de réptil, inexiste em mim. Até o presente, fico fascinada pelos movimentos de uma serpente. Consigo até (claro que é na minha imaginação e essa observação é para os céticos) lhe entender e decifrar pelas expressões faciais, o que é gratificante por ter a serpente mil faces, por ser roliça. E com isso cheguei à ótima e plausível conclusão que, uma boa serpente hipnotiza seu encantador. Enquanto ele toca, certo que a domina, é ela que conduz o espetáculo e ele não sabe. Aí é que está o seu veneno. Ela se diverte e por isso se presta ao seu parente amo. E os cristãos normais diriam que toda criança tem suas fantasias. Aliás, os cristãos duvidaram até de Cristo.
               
Daí, comecei nos meus estudos sobre a natureza sobre-humana das pessoas humanas: passei a contempla-las. E enquanto os cientistas discutem sobre a hipnose ao longo desses anos, eu via, sem precisar deles, como era fácil hipnotizar. Senão vejamos: ao ler as apreciações aqui contidas, pensarão que eu não deveria falar tão ingenuamente sobre mim e apenas agir nas caladas do dia, já que à noite se fala. Mas, o encanto começa justamente daí. Ninguém em pleno gozo ou ejaculação precoce de suas faculdades mentais iria supor ou pensar de imediato que ao falar tão simploriamente tenha capacidade de aplicar o que é dito. Até porque existem os espertos que são ótimos pacientes. E vamos à parte formal.

Se alguém tem uma teoria pode até transforma-la numa expressão matemática para se fazer acreditar. Deus, por acaso não resultou numa expressão matemática para a ciência? “Imagine” uma banal serpente. E depois, as pessoas sempre precisam de nomes, rótulos para preencher o que não querem omitir vazio. Se trabalham tanto, passam anos e anos se travestindo para serem aceitas pela vontade geral que, se tornam adultos perdendo a capacidade de ver como tudo pode ser simples.

                                                        E foi contemplando durante todo meu tempo que constatei o que como herege falo. Não se trata de dizer verdades já que cada um tem a sua. São meras constatações e impressões de minhas viagens ao oriente. Aliás, pela módica quantia de quarenta centavos que pagava no Cinema São Luís, eu viajava constantemente para os mercados indianos por hora e meia, o suficiente para me iniciar nos estudos que até hoje me dedico.

                                                         E como todo viajante-estudioso em cada regresso escreve suas impressões, como os cientistas escrevem suas teorias, vi por bem, de uma forma até modesta (constitui ato admirável uma vez que nada tenho de modéstia) começar a escrever dos mais íntimos, que de alguma forma conhecida ou desconhecida, quando eu estava dentro do cesto ouvindo as mágicas músicas me encantaram. E mister se faz afirmar que, essas impressões são um gesto de homenagem-carinho que dedico aos meus amados encantadores. 


(Texto publicado no Jornal alternativo Delírio Urbano em 1986)

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