5 de novembro de 2013

Cemitério do Alecrim



Tarcísio Rosas


    Em fevereiro de 1856 o presidente Passos – Antonio Bernardo de Passos – viu-se na contingência de criar um cemitério, em Natal, face à ocorrência de devastadora epidemia de cólera-morbo. Em Resolução de nº 323, de 2 de agosto do ano anterior, estimara (e estabelecera) em dois contos de réis o custo para tal empreendimento. Em sua fala de 1 de julho daquele exercício (1856), porém, reconhecia que tal valor fora insuficiente. Dizia ele, então:
   
a única proposta que apareceu foi de três contos e quatrocentos mil réis, que não me pareceu excessiva, principalmente atendo-se ao acréscimo de despesas que tem de haver com a condução de materiais, em razão da distância que separa esta capital do cemitério, pelo que, e à vista da emergência da obra, não duvidei aceitar (2001, p. 342).

    Com base nessas ponderações, o presidente contratou os serviços do mestre-de-obras Manuel da Costa Reis para construir o cemitério na esplanada que fica no caminho das Quintas, junto à bifurcação da estrada de Pitimbu, de formato quadrangular, tendo cada parede, na parte interna, 250 por 90 palmos craveiros (palmos de 12 polegadas) de extensão e nove de altura.

    Nas cláusulas do contrato seguiam-se minuciosas especificações a que se obrigava o empreiteiro, aí incluídas profundidades dos alicerces, características da cobertura dos muros, detalhamento dos portões e da Capela, entre outro pormenores.

    Não conseguimos localizar a data de inauguração daquela estrutura mas, nas entrelinhas dos historiadores, é de supor a obra ter sido concluída em dia anterior a 11 de março de 1857: nessa data o mestre-de-obras solicitou à Assembléia Legislativa Provincial uma indenização por haver exorbitado em um palmo a largura do pórtico para assentamento do portão (supõe-se  tê-lo feito após conclusão da obras).

    Quem terá sido o primeiro ocupante daquele campo-santo? CÂMARA CASCUDO vislumbra-o na figura de Manuel Lúcio de Brito Guerra: a  primeira lápide de pedra esculpida descobri-a em agosto de 1930, meio gasta, diz ele, na qual consta que nascera em 1824 e morrera a 23 de fevereiro de 1857. Faz uma ressalva: o deputado provincial Lúcio de B. Guerra, sobrinho do Padre Francisco de Brito Guerra, teria falecido a 21 de novembro e não a 23 de fevereiro (2010, p. 325).  Posteriormente constataria que a data inscrita na lápide estava certa: Na Prefeitura de Natal consultei  o mais antigo livro de registro de óbitos do Cemitério do Alecrim, o primeiro livro, de 1856 em diante, Lá estava o registro do enterramento de Manuel Lúcio de Brito Guerra. Morrera de febre amarela, em Natal, a 23 de fevereiro de 1823  (1972,  p.  425).

   

Explicação necessária

    Não só sob o crivo da peste a que vimos de aludir o governo se sentia na obrigação de construir um cemitério.  Era determinação legal fazê-lo desde 1830, mas certamente subordinando-a às condições econômico-financeiras. Não só Natal construiu seu cemitério mas inclusive as Vilas de São José  (reivindicada desde 1840 pela Câmara Municipal),  São Gonçalo, Ganguaretama, Currais Novos, Arês, entre outras, todas naquele mesmo ano (1856), atendendo ao principio ou dispositivo estabelecido em lei,  reforçada com a proibição de sepultamentos nas igrejas  (a partir do ano seguinte), e compelidas pelo vírus do cólera.

    Com efeito, até 1855 era usual o costume de enterrar os mortos nas igrejas, em torno delas ou envolta dos cruzeiros disseminados (todas as cidade brasileiras, a exemplo das portuguesas, têm embrionariamente um cruzeiro, a exemplo do que Natal ostenta em frente à Igreja do Rosário, na Rua Quintino Bocaiúva, na Cidade Alta).

    Cumpre assinalar que o primeiro cemitério formalmente constituído, em Natal, foi o chamado Cemitério dos Ingleses, em data incerta mas seguramente anterior a 1855. Situava-se na margem esquerda do Potengi, aproximadamente em oposição ao atual cais da Av. Tavares de Lira, localizado, mais especificamente, em uma pequena elevação no ângulo entre o Rio Potengi e a gamboa Manimbu (...). A vegetação ali está sempre verde e o local está cercado por quatorze coqueiros antigos.  Beleza  e silêncio. Poético chão para o sono eterno, assim o descreve LAURO PINTO (1971,  p. 15). Até então os  sepultamentos eram realizados nas Igrejas: A matriz de Nossa Senhora d’ Apresentação ergue-se sobre uma base de ossadas humanas, sepultadas durante séculos.  Na igreja do Rosário enterravam os escravos e os mortos na forca. (...) Enterrar no sagrado era sepultar dentro das igrejas, informa CÂMARA CASCUDO (1999, p. 263).

    A razão de ser do Cemitério dos Ingleses consistia no fato de que,  à época, os protestantes eram impedidos de serem enterrados no sagrado (ingleses e suíços trabalhavam em lojas instaladas em Natal, adquirindo produtos nativos tais como algodão, peles sal, cera de carnaúba e borracha, e vendendo manufaturados na indústria européia).



Referências bibliográficas:

PASSOS, Antônio Bernardo de. Falas e Relatórios dos Presidentes da Província do         Rio Grande do Norte. Mossoró: Fundação Guimarães Duque, Coleção Mossoroense, série “G”, nº 08, abril  2001.
PINTO, Lauro. Natal que eu vi. Imprensa Universitária, 1971.
CAMÂRA CASCUDO, Luis da. Uma história da Assembléia Legislativa do Rio   Grande do Norte. Natal: Fundação José Augusto, 1972.
_____________. História da Cidade do Natal, 3ª edição. Natal: Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte / RN Econômico, 1999.
_____________. História da Cidade de Natal, 4ª edição. Natal: EDUFRN, 2010.
 

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